O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apura a conduta da desembargadora Doraci Lamar Rosa da Silva Andrade, de Goiás que impediu o aborto legal de uma adolescente de 13 anos após o pai da jovem entrar com pedido judicial contra o procedimento. Também será investigada a juíza Maria do Socorro de Sousa Afonso e Silva, do 1º Juizado da Infância e da Juventude da Comarca de Goiânia.
O corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, analisou pedido de providências feito pela Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABDJ) e determinou, na sexta-feira (12), a apuração sobre possível desvio funcional das duas magistradas, que teria retardado injustificadamente a retirada do feto.
Considerando a urgência do caso, Salomão determinou que o Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) fizesse em até 48 horas uma perícia médica, com acompanhamento de assistente social, para avaliar o estado atual da criança. “O cenário exposto sugere, em linha de princípio e se comprovado, a prática de falta funcional com repercussão disciplinar, o que exige a atuação desta Corregedoria Nacional de Justiça, com urgência, para a apuração dos fatos aqui narrados”, disse o corregedor na decisão.
O caso foi revelado pelo jornal O Popular e pelo site Intercept Brasil. A reportagem teve acesso aos documentos do processo. A jovem já completou 28 semanas de gravidez, o que torna o procedimento mais difícil.
Em nota, o TJGO afirmou que, como o processo tramita em segredo de Justiça, não pode se manifestar sobre o caso específico. Ressalta, no entanto, “que todas as providências determinadas pelo CNJ são cumpridas imediatamente”.
Há um recurso contra a decisão da desembargadora pendente de análise. Em depoimento ao Conselho Tutelar da região em que vive, a adolescente afirmou que gostaria de interromper a gestação quando estava na 18ª semana. Em mensagens encaminhadas ao órgão, ela afirmou que, se não tivesse acesso ao procedimento, iria procurar uma forma de fazê-lo por conta própria.
O suspeito do abuso, de 24 anos, teria afirmado ao Conselho que não sabia qual era a idade da adolescente e que, se soubesse, não teria mantido relação. O pai da adolescente, também segundo o órgão, teria pedido para conversar com o suspeito para que ele assumisse o bebê.
Apesar do pedido da adolescente de que gostaria de interromper a gestação, o pai dela entrou na Justiça para que o aborto fosse proibido. Segundo as informações que embasaram a decisão do CNJ, o hospital que faria o procedimento, ao ser procurado, pediu autorização ao pai da menina, que tem a guarda dela, e ele recusou. A equipe do hospital então recorreu à Justiça.
Uma primeira decisão, quando a gestação já tinha mais de 20 semanas, autorizou a interrupção desde que o procedimento fosse feito com técnicas para preservar a vida do feto, o que seria tentativa de parto antecipado. A segunda decisão judicial, de 27 de junho, suspendeu qualquer interrupção.
O Ministério Público pode representar a criança em casos desse tipo, com decisões divergentes. A Promotoria pediu à Justiça que o aborto fosse realizado, mas a desembargadora Doraci Lamar Rosa da Silva Andrade proibiu a interrupção da gravidez e aceitou o pedido do pai da adolescente.
A magistrada afirmou que a equipe médica deve usar “todos os meios médicos e técnicas que assegurem a sobrevida do nascituro, inclusive com todos os acompanhamentos necessários até que venha receber alta médica, salvo comprovada ocorrência de risco de vida para a adolescente”. A desembargadora disse também que o pai da adolescente argumentou que o “delito de estupro está pendente de apuração”, mas a lei brasileira estabelece que qualquer tipo de relação sexual com uma pessoa com menos de 14 anos consiste em estupro de vulnerável.