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Fortaleza

O Bosco da PUC

Às 20 horas de 13 de dezembro de 1968, em Recife, no auditório da Universidade Católica, o estudante de Direito Bosco Barreto (João Bosco Braga Barreto), paraibano, orador da turma, começava o discurso de formatura fazendo comovida e entusiástica saudação ao “grande comandante revolucionário Ernesto Che Guevara”, que morrera um ano antes.
Muito azar. Naquele exato momento, em todas as rádios e televisões, Costa e Silva apavorava o país, lançando o AI-5 (Ato Institucional nº 5), jogando a Nação no mais fundo porão da ditadura. De manhã cedo, o Exército mandou buscar em casa “o Bosco da PUC”. Erraram de Bosco. Em vez do Bosco Barreto, o orador da turma de Direito, levaram o Bosco Tenório, também “Bosco da PUC”, aluno da PUC, jovem vereador recém-eleito de Recife.
No quartel, foi recebido pelo major Raimundo Sá Peixoto.
Desafiante, com o discurso na mão, o major lia uma frase e interrogava:

  • Senhor Bosco, o senhor confirma este elogio desbragado a Che Guevara que o senhor fez, ontem, no seu discurso?
  • Não confirmo não, major.
  • Como não confirma? O senhor está louco? O senhor falou ontem à noite e hoje de manhã já não confirma? E este trecho aqui, o senhor confirma?
    E o major Peixoto leu mais um longo pedaço do discurso e perguntou: – E isso, confirma ou não confirma? Não sustenta o que disse ontem?
  • Major, eu até concordo com o discurso que o senhor está lendo. Mas não confirmo nem sustento, porque não fui eu que disse isso. Quem falou foi o orador da formatura. Como é que eu podia ser orador de formatura, se não me formei e ainda sou estudante? Esse Bosco aí é outro Bosco, major.
    O major quase esganou o Bosco número 2. Em outubro de 1969, o Bosco Tenório, valente vereador do MDB de Recife, hoje advogado, foi cassado.
    O Bosco Barreto, formado, voltou para sua terra, Cajazeiras, na Paraíba. Advogado dos camponeses fugidos da seca e do povão das periferias, ganhou enorme popularidade. Em 1972, saiu candidato a prefeito pelo MDB, quase ganhou. Logo em seguida, organizou uma romaria a Juazeiro do Norte para agradecer os votos ao Padre Cícero. 30 mil romeiros atrás dele, todos a pé.
    Em 1974, Bosco Barreto se elegeu deputado estadual pelo MDB, com 9.326 votos, quase todos em Cajazeiras. Mas havia alguém muito importante que não gostava nada dele, e que ele também detestava e se combatiam: era o bispo de Cajazeiras por 40 anos, dom Zacarias Rolim de Moura.
    Culto, dedicado ao ensino, diretor de colégios e do seminário, criador da Faculdade de Filosofia, Dom Zacarias era um poço de conservadorismo e reacionarismo, crítico de dom Helder Câmara e dom José Maria Pires, o dom Pelé, arcebispo de João Pessoa, e inimigo da Teologia da Libertação.
    De repente, em 2 de julho de 75, às 21 horas, durante a exibição do filme “Sublime Renúncia”, que contava a historia de um assalto a banco com bomba-relógio, uma bomba poderosa explodiu no cinema de Cajazeiras, abalando a cidade de 30 mil habitantes, matando duas pessoas, ferindo muitos.
    Escândalo nacional, em plena ditadura. A bomba explodiu exatamente ao lado da cadeira cativa do bispo, apaixonado por cinema, que escolhia os filmes em Recife e levava para lá. Naquela noite, por sorte, estava em Recife.
  • “Atentado terrorista”, gritaram os jornais. O primeiro “suspeito” de organizar o atentado tinha que ser ele, o “subversivo” deputado Bosco Barreto.
    Outros suspeitos foram a linha-dura militar, para desestabilizar a “abertura” do general Geisel, como mais tarde fizeram no Riocentro e na OAB, no Rio.
    Dez anos depois, já morando em Brasília, como advogado do CNPq e suplente de senador, Bosco Braga tentou reabrir o caso, mas nada se apurou.
    Essa história está toda em um livro muito bem documentado sobre a política da Paraíba e do Nordeste (“Do Bico de Pena à Urna Eletrônica” – Editora Bagaço, Recife, 2006), de Francisco Cartaxo Rolim, paraibano de Cajazeiras, advogado, economista, escritor, secretário de Planejamento do Estado, chefe de gabinete da Sudene e parente de dom Zacarias Rolim.

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