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O “Pathê”e o Pateta

 

Chamava-se Pathê, José Fayermann Pathê. Fayermann dos pais judeus. Pathê de uma bola na cara. Goleiro do time do grupo escolar, tomou uma bolada no rosto que o levou ao hospital. Voltou com o apelido: Pateta. Fez um acordo com os colegas:
– “Pateta não. Então fica Pathê”.
Ficou. Encontrei-o com o Pathê no Festival Mundial de Juventude em Moscou, 1957, aluno da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e membro da nossa numerosa delegação brasileira, chefiada pelo saudoso socialista paulista Rogê Ferreira.
Alto, magrelo, narigudo, avermelhado, desengonçado, muito feio, Pathê era a própria alegria em pessoa. E, com um violão que desafinava, ele cantava pelas varandas e corredores do Hotel Zariá, perto da Universidade, elevando e conquistando garotas de outros países com sua voz forte, poderosa, como se fosse um Aznavour do Braz. Mas só sabia três músicas: “Conceição”, “Trem das Onze” e “Aquarela do Brasil”.
Um dia, fomos levados para um festival artístico que aconteceu na Associação Soviética de Escritores. Um salão enorme, como um ginásio, apinhado, centenas de pessoas. Cada país subia no palco e ia apresentando suas coisas: balé, circo, música clássica, danças folclóricas, grupos musicais. E de repente demos conta de que a delegação brasileira não tinha sido avisada e não ia apresentar nada. Ia ser uma humilhação, um vexame.
Tive uma ideia maluca: só o Pathê. Levamos o Pathê para uma sala e uma comissão o enquadrou no centralismo democrático da sagrada solidariedade e amizade dos povos. Ele tinha que salvar o Brasil. Tinha que cantar. Pathê tremia, quase chorava, apavorado. Arranjamos um violão com os colombianos, comandados pelo jovem Gabriel Garcia Marquez, enfiamos na mão de Pathê e o anunciamos:
– “Agora, o jovem e consagrado cantor-revelação do Brasil, Pathê”.
Pathê enlouqueceu. Sentado atrás, tremendo e xingando, de repente se levanta transtornado e transformado, suspende o violão sobre a cabeça, com a mão esquerda, e atravessa a longa passarela até o palco dando saltos e murros no ar com a mão direita, como um enlouquecido. O auditório, até então muito barulhento, ficou em absoluto silêncio.
Pathê puxou uma cadeira, pôs um pé em cima, bateu forte no violão e começou:
– “Conceição, estava no morro a sonhar”…
A cara vermelha parecia uma placa de sangue e o vozeirão explodiu:
– “Se subiu, ninguém sabe, ninguém viu”.
Começaram os aplausos, Pathê andava furioso pelo palco, arrastando o microfone, sacudindo o violão, acabou “Conceição” e emendou com “Aquarela do Brasil”. Um delírio total. Aqueles milhares de jovens representantes do mundo inteiro batendo palmas ritmadas e os pés no chão e Pathê, aos pulos, ao fim de cada estrofe, gritava:
“Moscou de pé aplaude, Pathê, Pathê, Pathê!
E o auditório, já também endoidado, repetia:
– “Pathê, Pathê, Pathê”!
Naquela tarde, em Moscou, não sobrou nada para o circo dos chineses, as valsas dos austríacos, as piruetas dos cossacos, para ninguém. Como um Elvis Presley dos trópicos, Pathê tomou conta da festa.

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