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Fortaleza

O amor resolve

Desde 2014, o ano de especialização da 3ª Vara da Infância e Juventude do Fórum Clóvis Beviláqua para atuar exclusivamente com processos de adoções, a quantidade de crianças e adolescentes que conseguiram uma família em Fortaleza tem aumentado consideravelmente. A juíza titular da unidade, Alda Maria Holanda Leite, em entrevista ao O Estado, fala sobre o crescimento dessas adoções ao longo dos anos, sobre os projetos do Judiciário e entes públicos para chamar a atenção da sociedade para essas crianças e adolescentes institucionalizadas, sobre abandono, entre outros assuntos. Ao final, arremata: “Eu acredito que aonde o amor for e não resolver é porque foi pouco. Quando o amor vai muito e grande, resolve qualquer problema”.

O ESTADO | Como estão os processos de adoções hoje em Fortaleza?
Alda Maria Holanda Leite | Tem sido crescente. Desde a promulgação da Lei, em 2009, que oficializou o regramento do Cadastro Nacional de Adoção, houve mudança radical na questão da adoção no Brasil. Se antes a entrega podia ser direta, a partir de então, essa exigência foi ficando maior. De 2015 para cá se percebe que o número de adoções cresceu muito pelo cadastro. No início tínhamos certo receio de cumprir literalmente a lei para tomar a criança, colocar no abrigo. Ficávamos presos ao prejuízo de retirar a criança, colocar no abrigo e o que podia causar essa decisão.
Ficávamos com muitos questionamentos sobre o cadastro. Depois começamos a ver que nós, juízes, é que teríamos que fazer e criar essa cultura do cadastro e obrigatoriedade dele, pois enquanto tivéssemos concedendo adoções fora, via entrega direta, nunca ia parar.
Depois fizemos seminários e encontros, fomos capacitados, esclarecidos e fomos internalizando a ideia. Aos poucos foi ficando mais fácil. Para nortear nossa conduta e posturas enquanto julgadores tomamos as seguintes decisões: se a criança tiver menos de um ano e tiver sido feita a entrega direta, a gente faz a busca e apreensão e tenta fazer a destituição do poder familiar o mais rápido possível. Por que achamos que embora o vínculo afetivo vá se formando desde cedo, qualquer pessoa que vá cuidar dessa criança também vai formar o vínculo.
A criança sempre vai ter prejuízo, pois já rompeu o vínculo com a família biológica. Só que muitas vezes a parte que recebe a criança via entrega direta e nós mandamos buscar e apreender, recorre e o Tribunal quase sempre manda devolver. O que eu posso fazer?

O ESTADO | E se a criança tiver mais de um ano?
Alda Maria Holanda Leite | Quando a criança tem entre 1 e 3 anos não deferimos a adoção, deferimos a guarda. E quando está perto dos 3 anos, a gente espera para julgar quando tiver com três anos e aí deferir. A lei diz que há três opções que a adoção pode ser feita fora do cadastro: quando adota o filho do cônjuge, que é a adoção unilateral; quando o adotando é seu parente, mas nesses casos não levamos em consideração somente parentesco consanguíneo e sim a família ampliada; e o terceiro caso é quando o pretendente tem a guarda judicial da criança maior de 3 anos.

O ESTADO | Ao longo desse tempo a senhora vivenciou muitos casos. Alguns são marcantes…
Alda Maria Holanda Leite | Nos últimos anos houve muitas adoções no Cadastro. O número vem crescendo e tem aumentado o número de adoções de irmãos, crianças maiores de 7 e 8 anos, adoções muito marcantes, de crianças com doenças tratáveis. São casos bem emblemáticos. Ano passado teve um casal que se inscreveu e não escolheu perfil. Foram vinculados a um bebê de 9 meses que não tinha nenhum pretendente para ele, pois era soro positivo para HIV. Só passaram 5 meses na fila. Dependendo do perfil, a adoção demora ou não. Quando eles receberam a criança, ela fazia o coquetel uma vez por dia. Após levarem ao infectologista, passou a receber duas vezes por dia. No dia da audiência o bebê estava praticamente curado. É uma adoção dos nossos sonhos. Que os adotantes não escolham perfil. Esse casal disse que não se sentia no direito de escolher perfil, pois de filho biológico não se escolhe. Essa questão é definida geneticamente. A outra história é de uma moça que se inscreveu no apadrinhamento. Ela é enfermeira e foi para um abrigo. Lá conheceu um bebê que era soro positivo para HIV também. Ela se inscreveu e, como não tinha pretendente para ele, imediatamente o sistema vinculou a ela. Nós não manipulamos o sistema. É automático. Quando ela recebeu o bebê e levou para casa ele já tinha mais de 1 ano. No dia da entrega já não transmitia mais o vírus.

O ESTADO | Atualmente, há 91 crianças e adolescentes em Fortaleza disponível para adoção. Não tem pretendentes para elas?
Alda Maria Holanda Leite | Não tem pretendentes para nenhuma deles. Bom ressaltar que entre elas algumas têm doenças mais graves e não são tratáveis. As adoções ficam mais difíceis nesses casos.

O ESTADO | E após completar os 18 anos, o que ocorre com o adolescentes que vive no abrigo?
Alda Maria Holanda Leite | Normalmente, vai sendo preparada a autonomia deles. Eles fazem cursos, estão estudando, vão fazendo estágios… Existem projetos assim. O abrigo tem a obrigação de fazer isso. Tem uns que dão mais trabalho. É complicado. Não é linear, pois não acontece para todos da mesma forma. A situação deles é muito complicada. Na adolescência que precisa de carinho e compreensão. Acredito que eles não vão imediatamente para a rua. O abrigo vai tentando arrumar e conduzir a vida de cada um.

O ESTADO | O que a senhora acha do programa de Apadrinhamento?
Alda Maria Holanda Leite | Funciona e é muito positivo. Já houve várias adoções que começaram pelo apadrinhamento. Impulsiona a adoção tardia e dá alento à pessoa que não tem ninguém, não tem família. Para alguns, o padrinho ensina as tarefas e dá reforço. Só esse cuidado e interesse já é bom para a autoestima da criança e do adolescente. Ser visto por alguém faz toda a diferença.

O ESTADO | E o Família Acolhedora?
Alda Maria Holanda Leite | Também está funcionando. O município de Fortaleza lançou e abraçou o programa, dotou de técnicas e está funcionando. À Prefeitura cabe fiscalizar o funcionamento. Há previsão na lei, mas não havia aqui. Nunca se despertou para fazer isso, mas esse programa dá certo. É melhor estar em uma família do que num abrigo. Mesmo que não seja numa família de posses, isso não é o mais importante. O mais importante é o respeito, o carinho e a atenção. Só em estar em uma casa sem ser só mais um, como ocorre no abrigo, já é o suficiente. É muito diferente.

O ESTADO | Quais benefícios que a criança e o adolescente tem em participar de projetos assim?
Alda Maria Holanda Leite | Fortalece o emocional. Por estar em uma família e por vivenciar a vida familiar. Não tenho noção de psicologia, mas da experiência que já vivi. Diminui as mágoas, as frustrações que ele traz. Ajuda na recuperação da alma.

O ESTADO | A equipe multidisciplinar sofreu redução. O Tribunal firmou uma parceria com Estado e Município para repor, está funcionando?
Alda Maria Holanda Leite | A lei faz mais exigências. Os requerentes à adoção têm que ser reavaliados a cada dois anos e as crianças abrigadas a cada três meses. É coisa demais para pouca gente. As técnicas são nossos olhos e ouvidos. Elas vão às famílias e aos abrigos. Só podemos julgar após o relatório psicossocial. É imprescindível a participação delas. A parceria vai melhorar demais. Serão 20 profissionais a mais. Vai melhorar com certeza. Começarão a partir de junho, após receber capacitação.

O ESTADO | Por que ainda ocorre tanto abandono de crianças?
Alda Maria Holanda Leite | Normalmente, abandono de bebês vem de um problema social. Mães drogadistas que não têm apoio da família ou não querem mesmo. Algumas já são reincidentes. Já teve o primeiro filho, já deixou na maternidade, não frequentam apoio e tratamento, não querem sair das ruas, engravida de novo. É muito complicado. Sobre os Anjos da Adoção é diferente. São casais que procuram o projeto, não querem a criança. É uma entrega responsável, eles pensam antes. Às vezes a mulher não quer a criança mesmo com apoio da família. A mulher não quer assumir a criança naquele momento. Às vezes há arrependimento. Se a pessoa se arrepender mesmo após o prazo e a criança ainda não tiver sido adotada, ela tem o direito de receber de volta. Mas se a criança tiver sido adotada, não tem mais volta. Mas normalmente não há casos de arrependimento.

O ESTADO | E por que ainda tem tantas crianças abrigadas?
Alda Maria Holanda Leite | São várias questões. Tem o retorno familiar, que precisa ser tentada a reinserção. A redução das equipes ainda impacta no julgamento mais rápido desses processos. Vamos fazer mutirão na última semana de maio e primeira semana de junho só para audiências de Destituição do Poder Familiar (DPF) acelerar esses processos. Temos sempre que ter atenção especial para os processos de DPF. Agora, existe uma imposição do Conselho Nacional de Justiça que sejam realizadas em abril e outubro audiências concentradas para reavaliar os acolhimentos institucionais e saber se são realmente necessários.

O ESTADO | Qual mensagem final a senhora gostaria de deixar?
Alda Maria Holanda Leite | Todos os adotantes têm direito legítimo de escolher o perfil da criança ou adolescente a ser adotado. Porém, sabe-se que quando os casais não colocam perfil, as adoções ocorrem mais rapidamente. Quando esse perfil não é tão rígido e é mais amplo, as adoções fluem mais rápido. Com relação às adoções de crianças maiores eu digo: são crianças! Vão dar alegria à sua casa de qualquer forma. Só em ser criança já traz alegria. Cuide de uma criança durante dois dias e você vai se afeiçoar. Se dedique e vai despertar o vínculo. Abra o seu coração para ampliar o perfil e o olhar. O amor vai acontecer. Eu acredito que aonde o amor for e não resolver é porque foi pouco. Quando o amor vai muito e grande, resolve qualquer problema.

CRISLEY CAVALCANTE
Jornalista

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