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Mario Bolota I

“A ciência que estuda a origem, a formação, a adesão dos apelidos chama-se apelidologia”. Assim começava o livro de Mário Bolota e, pensava ele, representaria um corte epistemológico no estágio vigente do conhecimento humano. Um salto de qualidade, no dizer de Bachellar, que legaria à humanidade as ferramentas necessárias para o gerenciamento de tal flagelo: o maldito apelido.

Desenvolvido a partir da própria experiência empírica do autor e, em alguns trechos, com ares autobiográficos não eficientemente camuflados, a obra descorria sistematicamente sobre os seguintes temas: Conceito de apelido, princípios filosóficos e definição da Apelidologia (aqui com maiúscula em reconhecimento de sua natureza científica); a relação da novel ciência com os outros campos do saber; a opção teórica pela concepção de nocividade do apelido para a espécie humana; a classificação dos apelidos (incluídos aqui os codinomes revolucionários e os apelidos carinhosos ao lado dos vexatórios), com suas respectivas subdivisões; e, o mais importante, dois capítulos fundamentais, o que interagia com os autores da psicologia para demonstrar os efeitos deletérios do apelido para a saúde mental e, igualmente especial, o capítulo jurídico, em que propunha a ampliação dos crimes contra a honra para incluir o crime de “apelidamento vexatório”, com pena de reclusão de um a quatro anos.

O livro era gigantesco e extremamente fundamentado. Mas a intenção de Mário Bolota, batizado como Mário de Assis da Silva, era apenas acadêmica. Das 625 páginas não havia nenhuma que fosse despicienda. Cada uma delas trazia elementos essenciais ao todo. Ademais, aspectos comerciais não podem cercear a liberdade criativa do homem das ciências. Um revolução estava em curso, cuja a estrutura surpreenderia Thomas Khrun, e ele era seu artífice. Haveria um mundo melhor quando à humanidade se revelasse aquele conhecimento novo, agora devidamente sistematizado.

Pois nosso Mário ganhou a alcunha de Bolota por um motivo, ao seu ver, despropositado e banal.
O sofrimento que adviera de tal fato fora a mola propulsora do estudo desenvolvido, transformado o objetivo central de sua existência. Só quem conviveu involuntariamente com um apelido sabe realmente a sensação de impotência e dor, a raiva estancada no peito, quando o açoite cotidiano de sua lembrança é acionado pelos que te chamam por ele. O conceito de dano moral mais completo deveria, segundo Mário Bolota, passar pela compreensão de que esta sendimentação do sofrimento, neste inferno dioturno do apelido, era mais potente como fonte de infelicidade do que a perda de um ente querido.

Um sintoma desta anomalia social poderia ser facilmente verificada quando se atribui à representação do mal tantos apelidos. O demônio, o inimigo, o catíço, o capeta, o cramulhão, o coisa-ruim, satanás é recordista de codinomes. O inferno está cheio de apelidos. Mário desejava, após a sistematização de sua ciência, partir para etapas metafísicas de seus estudos, sabendo que se tratava de uma fonte inesgotável de oportunidades de aprofundamento.

O que mais lhe incomodava em seu próprio apelido, fonte dolorosa que inspirou sua doutrina, era a gratuidade imbecil de sua criação. Mário era irmão do meio, sendo seu irmão mais velho, Otávio Augusto, já muito gordo desde a mais tenra infância. O caçula, Reginaldo, nasceu muito fraquinho, prematuro, e não se sabe por qual cargas d’água, tendo vingado com saúde, jamais perdeu sua forma magricela, quase esquelética. Dos três, Mário era o mais normal, nem gordo, nem magro, nem forte, nem fraco, nem alto, nem baixo. Por suas características físicas, portanto, não seria alvo preferência dos apelidadores, gente cruel que tem prazer em ressaltar os defeitos e peculiaridades íntimas dos outros.

Embora não fosse, por assim dizer, do grupo de risco do apelido, Mário foi tragado pelo destino quando seu núcleo familiar em si já tinha os requisitos para um apelidamento coletivo, em função das diferenças entre os irmãos: um magro, um médio e um gordo…e a associação à fábula dos três porquinhos foi inevitável. Ainda no primeiro colégio, formado o trio de irmãos no recreio, foi sentenciado por um colega qualquer, famigerado, filho-da-outra: Reginaldo Bolinha, Mário Bolota e Otávio Bolão, tendo este último derivado posteriormente para Tavinho Bolão. Em questão de apelido não ampla defesa, nem direito ao contraditório. O julgamento é sumário e a pena geralmente é perpétua: Mário Bolota para sempre.

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