E se Deus não existisse?
Se não existir nada espiritual mesmo, nem anjo, nem alma?
E se o mundo for só terreno, animal e físico?
E se todos aqueles ascendentes nossos, juntando seus cromossomos de geração em geração, misturando e recriando gente, foram apenas bichos reprodutores?
E as coisas incríveis que vivemos, os milagres que testemunhamos, as impossibilidades concretas que se evaporaram na nossa frente não foram mais do que mera coincidência?
E os abraços que recebemos e os beijos que sorvemos foram só libido ou carência, sem nada de etéreo?
E se os filhos que criamos forem apenas mais uns humanos-sem-sentido vagando pelo mundo?
E se o bem for só uma manifestação efeminada da nossa titubieza?
E se inventamos Deus, o amor e a fé só para fugir da nossa ruidosa realidade mortal e desinteressante?
E se na nossa desesperada insignificância fizemos ouvidos moucos ao racionalismo e combinamos mentiras coletivas?
E o que dizer das paisagens, das primaveras, das festas juninas, tudo isso será combinação de elementos químicos que cabem todos numa tabela com siglas esquisitas?
E se as guerras, os sismos, as fomes, as avarezas, forem a prova cabal que nada é justo e que é melhor existir sem peregrinar?
E se Deus não existisse?
Ia ser tudo uma chatura sem fim.
Ainda bem que não é assim.