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O imperador de Cuba

Em 1952, Gaia Gomes era diretor artístico da Rádio América de São Paulo. O saudoso David Raw trabalhava com ele. Uma tarde, entrou lá um rapaz de cabelos negros, olhos grandes, esbugalhados, bigode ralo e barbicha fina.
Argentino, trazia para Gaia uma carta de apresentação de Alberto Castilho, médico e cantor de tango em Buenos Aires. Não queria emprego. Também era médico, estava precisando de uma passagem para a Guatemala, onde queria ajudar o governo revolucionário de Jacobo Arbenz.
Gaia e David fizeram uma “vaquinha” na rádio e compraram a passagem. Nos dias que passou em São Paulo, o rapaz de bigode ralo conheceu o deputado Coutinho Cavalcanti, paulista de Rio Preto, autor do segundo projeto de reforma agrária apresentado no Congresso (o primeiro foi o do baiano Nestor Duarte).
Com a passagem e o projeto, o rapaz de barbicha fina embarcou para a Guatemala. Lá, acabou trabalhando no Instituto Nacional de Reforma Agrária e aplicando os ideais do deputado Coutinho. Em 1954, um golpe militar, montado nos Estados Unidos e dirigido pelo coronel Castilo Armas, derrubou o governo de Arbenz. O rapaz de cabelos negros fugiu para o México.
Em 1958, apareceu em Cuba, na Sierra Maestra, ao lado de Fidel Castro e Camilo Cienfuegos. Derrubado o ditador Batista, o rapaz de olhos grandes, esbugalhados, implantou a reforma agrária em Cuba, baseada no projeto do deputado Coutinho, paulista de Rio Preto.
O rapaz chamava-se Ernesto “Che” Guevara. Ia encontrar-se com Fidel Castro em Sierra Maestra.

Moscou
A primeira vez que vi Fidel foi em Moscou, em junho de 1957. Há 59 anos. Ele ainda lutava em Sierra Maestra. A União Soviética recebia milhares de jovens do mundo inteiro no “Festival Mundial da Juventude”. No desfile de abertura, magnífico e emocionante, um mundo de bandeiras de todos os países e povos, com imensas flâmulas suspensas nos muros do imponente Kremlin saudando a paz – “Mir e Drusba” – (Paz e Amor) – na enfeitada e iluminada Praça Vermelha, diante do Kremlin e do túmulo de Vladimir Lênin. Deu bem para ver que os russos já andavam rusgando com os chineses, que passaram silenciosos e pouco aplaudidos. Já os cubanos, uma pequena delegação, foram recebidos delirantemente como heróis.
Fidel Castro, Che Guevara, Camilo Cienfuegos e seus companheiros já lutavam nas montanhas da Sierra Maestra, apesar de os russos ainda não acreditarem na possibilidade de vitória deles, diante do exército de Batista e tão perto dos Estados Unidos. Como o desfile era por ordem alfabética, o “B” de Brasil vinha logo à frente do “C” de Cuba e nós ali, deslumbrados, marchando ao lado dos heróis de nosso tempo.
Acabado o desfile, os cubanos desapareceram. Voltaram para a montanha. Mas deu bem para ver o olhar poderoso e desafiador do jovem Imperador de Cuba, que já sabia que dois anos depois ia vencer.
Do festival os brasileiros ganharam na beleza. Abriu a delegação brasileira e carregou a nossa bandeira a bela mineira Marta Azevedo, eleita a mais bonita do festival e capa da revista final.

Fidel
Vitorioso em Cuba, em 1959, Fidel Castro esteve no Rio de Janeiro. O embaixador Vasco Leitão da Cunha lhe ofereceu um banquete. Estava lá todo o society carioca, deslumbrado com o charuto enorme e a engomada farda de Fidel Castro. De repente, aproxima-se dele um homem gordo e vermelho:
– Senhor primeiro-ministro, só não lhe perdoo os fuzilamentos em Cuba.
– Pois posso assegurar ao senhor que só fuzilei os ladrões dos dinheiros públicos.
O homem gordo e vermelho ficou ainda mais vermelho. Era Adhemar de Barros.

Lott
A vitoria de Fidel, Guevara e seus companheiros continuava empolgando a juventude latino-americana, inclusive a brasileira. A primeira pergunta para o Marechal Lott, numa entrevista coletiva na ABI, em 1960, no lançamento de sua candidatura à Presidência da República, foi um desastre: – General, o que o senhor acha de Fidel Castro?
– Venceu prometendo uma democracia e está governando com uma ditadura. Disse que era democrata e, agora, está se aliando à União Soviética, que é uma ditadura.
A juventude aplaudia o Imperador de Havana, que está sendo enterrado como os imperadores: numa semana inteira. O século XX acabou.

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