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Fortaleza

Equoterapia ajuda a curar as feridas do abandono

Por trás da insegurança pessoal, da falta de autoconfiança e autoestima, da agressividade e da incapacidade de dar amor, pode estar escondida a dor do abandono. Uma tristeza enorme preenche o coração, da qual nem sempre é possível se livrar com facilidade. Uma dor que acompanha o dia a dia, tal qual uma sombra, tamanha a sua intensidade.
Quando essa dor atinge crianças, o prejuízo pode ainda ser muito maior. São pequenos que sequer tiveram a formação moral completa e já precisam lidar com a desconfiança da rejeição. São crianças que precisam mostrar o quão são fortes todos os dias. Uma provação demasiadamente injusta, afinal, são apenas crianças.
Por tal realidade passa a pequena M.M., de seis anos de idade. Abandonada pelos pais ainda bebê, o destino foi um abrigo em Fortaleza. Quando candidatos à adoção apareceram, a história parecia que ganharia contornos coloridos em meio a uma realidade até então cinza. O processo de adoção seguiu e, logo em seguida, o casal obteve a guarda provisória da menina. Uma felicidade para ela, que deixava o abrigo aos quatro anos de idade rumo a uma casa, com uma família, com pai e mãe, como teria de ser com todas as crianças no mundo.
Dois anos depois e a decepção maior: o casal devolveu a menina. Alegou problemas psicológicos diversos e a falta de condições de seguir com a adoção. Um baque para todos, sobretudo para ela. De volta ao abrigo, M.M*. carrega não somente a dor do primeiro abandono sofrido pelos pais biológicos, mas uma nova carga pesada e negativa de emoção, de desamor, de rejeição.
O quadro não poderia ser pior. A menina desenvolveu sérios problemas de socialização. Tornou-se extremamente agressiva na escola e com as outras crianças do abrigo. O rendimento estudantil caiu severamente. A necessidade de atenção, situação de toda criança abandonada, mostrou-se ainda mais presente, o que culminou com uma série de comportamentos agressivos dentro do abrigo.
Por um fio de sorte, dentro da instituição que M.M. vive, atualmente, estão pessoas comprometidas com a sua reabilitação. Em meio a diversos tratamentos clínicos, psicológicos e terapias ocupacionais, surgiu a equoterapia, um método terapêutico que utiliza os equinos dentro de uma abordagem interdisciplinar nas áreas de saúde, educação e equitação, buscando o desenvolvimento psicossocial de pessoas com deficiência ou necessidades especiais.
Trata-se de uma técnica, cujo cavalo é utilizado como agente promotor de ganhos a nível físico e psíquico. Esta atividade exige a participação do corpo inteiro, contribuindo para o desenvolvimento da força muscular, relaxamento, conscientização do próprio corpo e aperfeiçoamento da coordenação motora e do equilíbrio da criança.
A interação com o cavalo, incluindo os primeiros contatos, como o ato de montar e o manuseio com o animal, desenvolvem formas de socialização, autoconfiança e autoestima.
Por causa desse tratamento, fornecido gratuitamente a M.M. pelo Sítio Siel Camará, no Eusébio, a menina tem efetivamente melhorado o seu comportamento e, aos poucos, vai renascendo emocionalmente, curando-se das feridas que o abandono lhe causou.
“A evolução é notável. Logo nas duas primeiras sessões percebemos uma grande mudança. Quando ela chegava, não falava com ninguém, mas hoje, chega e cumprimenta todos. Tinha dificuldades com as regras e limites, saía correndo e chorando sempre que pedíamos para fazer algo. Mas hoje já consegue obedecer e atender aos pedidos. Quando era contrariada, ficava com muita raiva, hoje chama para conversar. Isso tudo representa uma evolução de socialização e afetividade muito importante para o tratamento”, conta a psicóloga Victória Erel, responsável pelo tratamento de M.M. ao final de seis a oito sessões com equoterapia.
“A equoterapia gera ganhos e benefícios nessa área psicológica e isso é inquestionável. A gente vê logo no primeiro momento, em que a criança chega perto do cavalo, uma mudança. O animal em si desperta afetividade e responsabilidade. Como são crianças que estão sendo cuidadas dentro dos abrigos, elas começam a perceber como esse cuidado é importante, pois na terapia elas passam a cuidar do cavalo, o que gera senso de responsabilidade, carinho e afeto. Logo, eles sentem que também estão sendo cuidados, um cuidado batalhado e merecido”, explicou a psicóloga Victória Erel.
De acordo com ela, a terapia é diagnosticada e direcionada, de acordo com o problema apresentado pela criança. “O primeiro momento é chamado de aproximação, pois é o primeiro contato da criança com o animal. Neste momento, a criança ainda não monta no cavalo. Primeiramente, passamos toda a confiança, para que ela entenda que precisa inicialmente cuidar do cavalo, limpar, dar carinho, antes de montar. Neste momento, surgem benefícios como o cuidado, o afeto e o respeito pelo animal”.
Victória Erel explica que como muitas crianças não são respeitadas, acham que também não devem respeitar o cavalo, mas o próprio animal demonstra isso, e ela percebe. “O cavalo motiva muito afeto e, se ela o desrespeitar, ele vai reagir. São animais muito condicionados a receber qualquer tipo de criança. Há coisas que ele não faz com o adulto, mas faz com a criança, quando ela solicita. Apesar de ser um animal grande, o cavalo é extremamente sensível”, diz a psicóloga, ressaltando que o cavalo trabalha a autoconfiança e a autoestima, na medida em que a criança tem o domínio de algo maior que ela.
A história de M.M. é inegavelmente triste, mas a equoterapia tem se mostrado como uma saída que, a longo prazo, vai ajudar a cicatrizar as feridas que a dor do abandono abriu. Que a energia expandida em forma de repressão às demais pessoas, seja transformada em busca de uma construção para um coração tão pequeno e tão ferido.

*Nome fictício para preservar a criança

SERVIÇO

A equoterapia é reconhecida no Brasil pelo Conselho Federal de Medicina e Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional. O atendimento equoterápico só poderá ser iniciado mediante parecer favorável em avaliação médica, psicológica e fisioterápica. SÍTIO SIEL CAMARÁ – Eusébio-CE. Horário de funcionamento. Segunda à sexta (7:30 às 18h)
Sábado (7:30 às 12h). Atendimento:
(85) 98117.1888 / (85) 98116.1888. E-mail: [email protected]

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