30.1 C
Fortaleza

Isolado o gene do afeto!

Imagine que nesses dias em que vivemos, a histeria do “geneticismo”, na qual tudo na vida tem uma explicação a partir dos cromossomos humanos, até a facilidade para se divorciar pode estar ligada a essa causa, segundo estudo divulgado pela mídia. O curioso é que nem bem os estudos são divulgados, sem que especialistas possam comentá-los ou contradizê-los, já ganham status de verdades absolutas, mandamentos imutáveis.
Assim, os seres humanos ganham uma fórmula mágica para a explicação genérica de todos os seus problemas: a culpa é da genética. Todos os egoísmos, as taras, as burrices, os condicionamentos doentios, tudo é determinado pelos cromossomos, e nós somos passageiros involuntários de uma viagem errante sobre a qual não temos nenhum controle.
Este período tornou-se propício para o surgimento deste neodarwinismo social. A busca das origens genéticas dos males humanos, inicialmente voltada para nossa perpétua luta contra a morte, para a cura e prevenção das doenças, ganha outro uso político. Nesta nova afetação da genética, os comportamentos sociais passam a ser explicados a partir desse paradigma, dispensando análises psicológicas e históricas mais profundas. Poderemos explicar tudo!

O lado negro desta tendência é que a capacidade de evolução do ser humano, em busca de condutas que tragam benefício a si e aos demais, fica em segundo plano. O livre-arbítrio torna-se condicionado à verdade genética, e o homem, prisioneiro eterno de sua natureza animal. É a escravidão eterna do cromossomo. Se eu tiver o cromossomo do divórcio, jamais poderei encontrar o amor da minha vida. Não precisarei também me dedicar a ele, me superar para me fazer amado, lutar por sua longevidade. Poderei ser egoísta e desleixado, não ser perseverante na busca de encontros, nem hábil para driblar os desencontros.

E se eu tiver o gene do desemprego ou da falência? De que adiantará minha dedicação ao trabalho, meu sorriso nos lábios durante o dia de labuta e o suor que pinga? Poderei ser relaxado e imprevidente. Sem falar no gene da sem-vergonhice, que sem que me caiba qualquer reprovação me ataca para que eu me apodere do dinheiro público ou deixe de cumprir minha missão como servidor.
Fico imaginando o dia que for isolado e codificado o gene do afeto. As pessoas poderão explicar sua monumental falta de cuidado com seus filhos, seu apego hipócrita ao dinheiro e ao sucesso. Não precisarão mais mentir sobre seus propósitos, com a clássica explicação de estarem lutando pelo futuro da família ou por algum benefício para a sociedade. Poderão confessar de peito aberto, despudoradamente, a vaidade desmedida, sua luta insana pelo poder, mesmo que seja um micropoder, um poderzinho ínfimo e ridículo, como percebido pelo teórico francês Michel Foucault. A explicação será simples e cândida: não tenho tempo para meus filhos, nem paciência para o cotidiano da minha família, porque não tenho um gene de afeto forte, gene dominante é o do “ego-acima-de-tudo”.
Talvez a ciência em sua evolução astronômica possa legar-nos uma nova vacina para compensar a ausência do gene do afeto, com hormônios poderosos capazes de dar a percepção do essencial. A beleza da vida escorre diante dos olhos, todos os dias, enquanto se corre em círculos em busca de uma glória sempre passageira e finita. A felicidade está aqui e agora, podemos tocá-la e sorvê-la… Vivê-la intensamente, sem que as pesquisas venham persuadir-nos que devemos ser tristes.

Mais Lidas

Entenda 2º projeto aprovado da reforma tributária

A proposta aprovada pelos deputados trata das regras do Comitê Gestor do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) de estados e municípios, que será...

Férias

As colônias de férias espalhadas pela cidade tem sido muito procuradas pelas crianças neste mês de julho. São espaços onde o contacto com a...

Delfim Netto e o ‘Milagre Econômico’

Antônio Delfim Netto, economista catedrático e político brasileiro faleceu nesta segunda-feira (12) aos 96 anos. Foi ex-ministro da Fazenda, da Agricultura e do Planejamento,...
spot_img