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O silêncio dos inocentes

São milhares. Não gritam. Não fazem rebelião. Não fecham ruas em protesto. Não incendeiam ônibus. Não põem fogo em colchão. Não cometeram crimes. Ao contrário, são vítimas do abandono, de descaso, do desamor. Mas, apesar disso, estão sendo criadas em cativeiros mal disfarçados, escondidos de todos, varridos para debaixo do tapete. Quando acordam de um pesadelo, de madrugada, não têm a quem abraçar, um peito amigo para refúgio seguro. E são crianças. Somente crianças.

A institucionalização de crianças e adolescentes no Brasil é uma prática desumana e ilegal. A própria Constituição da República, no seu art. 227, garante o direito à convivência familiar e comunitária e atribui ao Estado, à sociedade e à família o dever de garantir este e outros direitos fundamentais. Contudo, apesar da clareza do texto constitucional e da abundância de estudos na área da psicologia que mostram os enormes malefícios causados pela inexistência de uma vida familiar para a criança, ainda se admite que ela entre em tenra idade numa instituição e lá permaneça anos a fio. Por quê?

Há quem atribua o abandono exclusivamente à questão da pobreza. E aqui estamos diante da primeira incompreensão do fenômeno. Dos milhões de brasileiros que vivem na pobreza a quantidade de pais que abandonam efetivamente seus filhos em instituições é muito pequena, ínfima, se comparada com os que, diante das maiores dificuldades e vencendo grandes desafios, mantém seus filhos consigo e com eles convivem amorosamente. Nos casos de abrigamento a pobreza quase nunca é apontada com causa única, sendo sempre o pano de fundo para a violência e a negligência covardemente praticadas contra a criança.

O problema maior, causador da institucionalização e da demora exagerada da solução para a situação absurda de abandono da criança, tem nome: demagogia. Consagrou-se para as famílias biológicas o direito de institucionalizar a criança, mesmo que isso represente, a toda evidência, um prejuízo descomunal para aquela que deveria ser a mais protegida das criaturas. Inverteu-se o mandamento da Constituição: a família deposita a criança na instituição, como se coisa fosse, começam os esforços para a reintegração familiar, a inserção de adultos em tratamentos muitas vezes de improvável sucesso, e a criança fica anos esperando. Sem direito a um olhar especial, de pessoa que ama, que cuida, que se importa.

A proposta que se faz aos Promotores de Justiça e Juízes de Direito, é que a criança seja emancipada de sua situação de objeto, para ser realmente tratada como o principal sujeito de direitos das relações que vivencia. Quando uma criança é institucionalizada só pode haver duas soluções: ou volta para a família de origem em curto prazo ou é colocada em família substituta, devidamente preparada para amá-la concretamente. Preferencialmente através da adoção, que dará a ela todas as garantias da filiação, segura, igualitária e para sempre. Existe coragem para isso? Há que se ter.

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