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Jovens perdem o sentido do que é ter uma família

Ao realizarmos um estudo sobre a situação de crianças e adolescentes em programas de acolhimento em instituições, encontramos uma realidade dura e cruel relativa à manutenção da violação do direito à convivência familiar e comunitária, praticamente na maioria destas instituições.

Identificamos que isto ocorre por diversos motivos, mas talvez pudéssemos resumi-los em três palavras: “Cultura do abrigamento” que se resume em valorizar o acolhimento institucional como se este fosse uma espécie de colégio interno, onde essas crianças e adolescentes estariam “livres” dos riscos de abusos diversos que seriam perpetrados por parentes, vizinhos ou estranhos de toda sorte.

Os atores envolvidos nos Programas de Acolhimento ou esquecem ou desconhecem os Artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – que garantem o direito das crianças e adolescentes de viverem no seio de sua família e, excepcionalmente em família substituta, garantindo-lhes assim seu direito à convivência familiar e comunitária. Parecem esquecer também que o programa de acolhimento deve ser uma medida de proteção excepcional e temporária, e não de longa permanência, além de esquecerem-se, ainda, de realizar um programa de manutenção dos vínculos familiares entre as crianças e seus pais.
A maioria desses atores defende este tipo de “proteção”, acreditando, equivocadamente, que exilando crianças e adolescentes de seus familiares, e comunidades, poderão crescer sadios e se tornarão adultos de bem. Estudarão em colégios regulares, aprenderão noções de moral e bons costumes, geralmente através de ensinamentos de tal ou qual religião.

Algumas vezes participarão de oficinas de esportes, em outras, de cursos diversos, com a pretensão de formá-los para o futuro. Mas na verdade, são inseridos em uma cúpula de vidro onde, progressivamente, são padronizados conceitos e pré-conceitos, restringidos seus direitos e aprisionados em um mundo que não é, nem de longe, parecido com o mundo que encontrarão quando saírem de lá.

Aos 18 anos, pelas Leis Civis, tornam-se responsáveis por si próprios. A partir deste momento terão que enfrentar o mundo adulto. Um mundo estranho, gigantesco de possibilidades, mas onde desconhecem as melhores escolhas, as que lhes trarão maiores benefícios para sua vida.

Porém, infelizmente, geralmente estes jovens encontram-se infantilizados, ignorantes sobre o mundo extramuros, inseguros, tontos, pois não conhecem outra realidade senão a da instituição onde viveram tantos anos.

Durante o período em que estiveram “acolhidos” perderam os vínculos familiares, que foram se fragilizando e se rompendo. E os que eram órfãos, sem família extensa encontrada, e não tiveram a oportunidade de serem colocados em família substituta, ficam em uma situação ainda pior.

Muitos não sabem o que pretendem ser quando crescer ou sair da instituição, porque não têm idéia do que é viver no mundo lá fora. Muitos perdem o sentido do que é ter uma família, ou mesmo do que significa a palavra amor ou carinho; e acabam perpetuando sua vivência trazendo ao mundo crianças que serão, como eles mesmos, institucionalizados.

E, se tiverem mais sorte que eles, os bebês serão encaminhados a um programa de acolhimento familiar.
Estes jovens que viveram sem uma atenção individualizada, sem esclarecimento de suas dúvidas, sem acolhimento em momentos de medos e inseguranças, sem incentivos personalizados de suas potencialidades, chegam aos 18 anos com baixa escolaridade, baixa auto-estima, sem perspectivas de futuro ou mesmo sonhos.
A grande maioria desses jovens passa a viver em um mundo marginal, alguns viram presas fáceis do mundo do crime. Já algumas jovens, desinformadas ou iludidas, engravidam e por não saberem como cuidar de um bebê, os deixam na porta de alguma instituição de acolhimento, na melhor das hipóteses.
A Lei 12010/09 visa, justamente, garantir o direito à convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes, evitando que se perpetue a antiga “Cultura do Abrigamento”.

Esta Lei exige que os abrigos informem semestralmente a situação dos acolhidos, que realizem um trabalho com seus familiares visando reintegrá-los, e que a institucionalização não ultrapasse 2 anos. Caso seja identificada a impossibilidade de reintegração na família de origem, que seja então colocada em programa de acolhimento familiar até que seja colocada em família substituta. Este tipo de acolhimento deverá ser avaliado a cada 6 meses, por equipe multidisciplinar para fundamentar sua reintegração ou colocação em família substituta.

Acreditamos que toda criança deve ter seu direito a chorar e querer colo, quando estiver com dor; toda criança deverá ter para onde correr na madrugada de tempestade com medo de raios e trovões procurando segurança e conforto; toda criança deverá ter quem lhe ajude nos deveres escolares; toda criança deverá ter incentivos materiais e psicológicos, para desenvolver-se com saúde e dignidade.

Desejamos que as Políticas Públicas necessárias à implementação desta “Nova Lei”, as acompanhe no ritmo satisfatório para que as garantias de direitos das crianças e adolescentes sejam cumpridas; e que os danos provocados pelo abandono, pela negligência, pela orfandade, ou por abusos diversos a esses seres indefesos, possam ser minorados em larga escala.

[Colaboração: Lúcia Pimentel – Psicóloga – www.quintaldeana.org.br]
 

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