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Adoção, por quê?

 

Por Gabriela de Palhano

 

É simples. Existem milhares de bebês, crianças e adolescentes no Brasil que vivem longe de uma família. Estão trancadas dentro dos muros das instituições, protegidas porque foram vítimas de diferentes tipos de agressão ou porque foram abandonadas pelos pais biológicos.

Nesta época de Natal a sociedade costuma “lembrar” que elas existem. Faz-se uma limpeza em casa, retiram-se os brinquedos que as crianças não ligam mais e o depósito perfeito para esse entulho são as instituições filantrópicas que cuidam de crianças. Ficamos felizes ao chegar nestes lugares e vermos o sorriso delas ao receber o presente. Parecem bem cuidadas, limpas, não lhes falta comida, frequentam a escola, tem uma caminha para dormir. E vamos para casa com a sensação de dever cumprido, prometendo a nós mesmos que voltaremos.

Mas ao longo do ano, nossas prioridades são outras. E as crianças? Bem, as crianças que lá ficam seguem sua infância. Os primeiros anos de vida sem experimentar o amor. Sem um afago de uma mãe e de um pai na hora do medo. Sem um carinho exclusivo, sim elas tem sempre que dividir. Imagine que se tiverem pesadelo a noite não tem a cama do papai e da mamãe por perto para pular, nem mesmo um abraço de madrugada. As pessoas que trabalham nesses lugares, depósitos, não de objetos doados, mas de vidas, tem vocação, tem amor para dar, não digo que não, mas o máximo que elas podem fazer é dividir essa compaixão com trinta, quarenta.  E assim a Maria, a Ana e o Pedro vão crescendo sem nunca se sentirem verdadeiramente amados. Sem falar nos que experimentaram a rejeição, os maus tratos de quem deveria telas protegido. O resultado disso já foi objeto de estudos de psicólogos, pedagogos e assistentes sociais, deficiências de cognição, problemas na fala, desenvolvimento de doenças neurológicas de fundo psicossocial.

Não, lugar de criança não é no abrigo. Então a família deve ser trabalhada para que elas voltem para casa? No Brasil certamente isso decorre da pobreza, você deve estar pensando. As pessoas imaginam que toda mulher que dá a luz a um bebê deve querer ficar com ele, tem a vocação para ser mãe. Os inúmeros casos de abandono, de maus tratos e violência, tanto por parte diretamente das mães biológicas, como por parentes próximos nos mostram que não. A institucionalização de uma criança – é esse o nome que se dá para a situação das crianças que entram no sistema de abrigos do nosso país – não acontece por causa da pobreza apenas, vem sempre acompanhada de histórias de violência e negligência, atos que nada tem a ver com o amor materno. É verdade dizer que essas mulheres acabam repetindo histórias de abandono que sofreram, mas não é certo aceitarmos que as crianças também sejam vítimas. Deveríamos ter um programa, em cada canto do país para atender essas mulheres que manifestam a vontade de não cuidar do próprio filho, é sem dúvida um ato de coragem. Falar que essa vontade tem apenas a ver com a pobreza seria menosprezar a vida de inúmeras mulheres que criam seus seis, oito filhos muito bem, com muita luta, Brasil afora. Ainda é muito comum essas mães biológicas serem recebidas por juízes que querem convence-las de amar o filho, enfermeiras que agem da mesma forma, parentes que julgam, dai se multiplicam os casos de agressões e abandonos de incapaz. A legislação brasileira já prevê essa possibilidade da mãe não querer o filho, mas o sistema não esta preparado, a sociedade não aceita. Mas isso é uma outra conversa. Eu quero mesmo é falar aqui das crianças.

Você já deve ter ouvido que é muito difícil adotar uma criança no nosso país. Deve ter ouvido também que nos abrigos só estão disponíveis para adoção as crianças maiores. Mas então onde estão essas crianças que são abandonadas todos os dias? Onde estão os pequenos que “deram trabalho” e foram violentados? Muitos, milhares estão nos abrigos, chegam todos os meses mais. Outros voltam para “casa” em inúmeras tentativas de reintegração com a família, que só servem para vitimizar as crianças repetidas vezes, erros que são fruto de uma sociedade que ainda tem muito preconceito contra adoção. Existem casos em que a reintegração é possível, onde a criança foi negligenciada por uma circunstância ruim que a família viveu, casais que conseguem se reestruturar. Mas eu sinto dizer as histórias não são simples, incluem muitas vezes uso de crack, prostituição e por ai vai. O Estatuto da criança e do adolescente determina que devem ser esgotadas as possibilidades de reintegração com a família, mas fala também que o melhor interesse da criança deve prevalecer, neste caso o interesse de viver em família, a criança deve ser protegida, viver em ambiente saudável. Portanto entrega-las várias vezes ao agressor é crime também. Mas o problema não termina ai.

Existem centenas de crianças que chegam com dias de vida aos abrigos e vão crescendo sem que ninguém tome nenhuma atitude para definir a situação jurídica delas, não se sabe onde esta a mãe biológica e passam meses sem procurar. Então o nenen com meses completa um ano, dois anos, sem ninguém para testemunhar sua existência com entusiasmo. O Estatuto da criança determina que a situação de cada uma abrigada seja revista e definida a cada seis meses e que nenhuma pode ficar mais de dois anos no abrigo. Os prazos não são cumpridos por vários motivos. A situação da infância no nosso país não é prioridade na prática, então existem poucas varas, poucos funcionários, pouco tudo. Mas isso ainda não é o mais grave. O mais grave é que existem pessoas dentro da própria Justiça que não se incomodam em ver as crianças passando a primeira infância no abrigo, afinal elas estão bem cuidadas, limpas, frequentam a escola, melhor do que estarem nas ruas. Quem sabe a mãe não se regenera, não toma juízo e aparece do dia para noite? As crianças vão crescendo sem entender porque, pensam que a culpa é delas. Sabe o que elas nos perguntam por volta dos seis anos? “Porque ninguém quer ser minha mãe?” “Tia porque o papai do céu não traz uma mãe para mim?” E quando ouvem que o problema é a justiça prontamente respondem “quero ir falar com este juiz”.

Não queira saber a dor de uma criança que cresce assim, ou melhor, queira saber. Algumas veem os amigos saindo do abrigo, se revoltam, ficam incontroláveis, são expulsas das escolas, veem crescer dentro de si um buraco imenso ao longo da vida.O reloginho andou, a infância passa num piscar de olhos você deve saber.  Tudo isso por causa do preconceito. Existem no Brasil centenas de pais na fila a espera para adotar uma criança, e as estatísticas mostram, hoje em dia muitos aceitam ser pais de crianças maiores, irmãos, sem restrição quanto a cor. Eles não entendem o porquê de tanta demora, casais que sofrem sem ter este sonho tão legítimo realizado. Por favor, eu queria mesmo que todos entendessem, muitos não vão, adoção não é caridade, não é brincar de ser pai. Adoção é amor.

Um amor alimentado pelo cuidado diário, quanto mais nos damos, mais amamos, é assim que se formam os laços entre pais e filhos, não existe passe de mágica, quem ama simplesmente cuida e o cuidar do ser humano exige tanta abnegação, tanta dedicação que transforma essa força entre pais e filhos em algo imensurável. As pessoas podem ter diferentes histórias de vida para chegar a adoção, alguns não podem gerar filhos, outros querem completar a família, outros tiveram essa vontade espontaneamente, sem nenhuma explicação a mais, mas todos querem ser pais. E é tudo de que essas crianças que hoje, neste momento, vivem nos abrigos precisam de um pai e de uma mãe que os ame. A partir disso já foram formadas muitas famílias, que não são melhores, nem piores, nem mesmo diferentes, são apenas famílias unidas pelo amor. Você pode não ter vontade de adotar uma criança, não há mal nenhum em doar suas coisas bem conservadas para os abrigos, mas você deve, você precisa adotar uma postura, não tenha preconceito, seja a favor da adoção. Adote uma postura.     

Ah e quando for a um abrigo abrace as crianças, sinta como elas são sedentas de amor.

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