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Fortaleza

Amor em dobro

O abandono causa dor. Em alguns casos gera uma ferida dura e difícil de ser curada para uma criança ou adolescente. Quando se tem irmãos, às vezes eles são a única referência quando se perde os pais. Por isso, a Lei de Adoção, assim como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) buscam incentivar a adoção de grupo de irmãos, mas a legislação ainda não é atendida em sua integralidade.

Tudo indica que esse será o caso dos irmãos I.J., L.N. e V.C., de 1 ano e meio, 4 e 5 anos, respectivamente. Eles estão abrigados, mas a tendência é que o bebê seja adotado primeiro, e separado dos irmãos mais velhos. Os três foram abandonados pelos pais, ambos usuários de drogas, e chegaram ao abrigo por encaminhamento do Conselho Tutelar em razão da situação de vulnerabilidade que viviam. Desde o início do mês, o bebê vem recebendo visitas de um casal e já teve a Destituição do Poder Familiar (DPF) julgada pela Justiça, documento que indica não haver mais condições de a criança voltar ao seio da família biológica.

Felizmente, a história dos gêmeros Mateus e Lucas teve um desfecho diferente. Os caminhos da família da Jucilene Silva Carvalho e Raul Gomes da Silva se cruzaram com os dos meninos em meados de 2016. Casados há 19 anos e pais de uma menina de 14, o sonho de ter uma família grande sempre foi latente. Como não puderam gerar outros filhos biológicos, a adoção foi um caminho escolhido com muita segurança desde o início.

Na hora de optar pelo perfil não houve exigências por parte do casal, apenas queriam uma criança de três a seis anos de idade. Logo a vida os ligava aos gêmeos Lucas e Mateus, de cinco anos, que viviam no abrigo Sol Nascente desde os dois, abandonados pelos pais.

Após três anos institucionalizados, o sonho de ter um pai e uma mãe estava muito próximo. O vínculo entre pais e filhos foi criado logo na primeira semana de visita, quando a Justiça liberou visitação. “Íamos todos os dias ao abrigo. Logo que eles souberam que seriam nossos filhos passaram a nos chamar de papai e mamãe. A felicidade deles ao nos receber era tocante. A nossa ligação foi instantânea”, conta a pernambucana Jucilene Silva, que mora em Fortaleza há quatro anos.
“Já os levamos para conhecer o resto da família em Pernambuco, todos ficaram apaixonados, fizemos batizado e festa de aniversário dos dois lá. O nosso sonho sempre foi ter uma família grande. Tenho sete irmãos e o meu marido tem seis. Eu sempre quis ter muitos filhos. A chegada dos meninos alegrou a nossa casa”, disse ela.

PROCESSO
O processo de adoção dos gêmeos foi célere. “Começamos o processo ainda em 2016 e no mesmo ano conseguimos a guarda provisória, e em maio desse ano a definitiva. Cumprimos todo o rito do processo, achamos que foi rápido. A burocracia realmente precisa existir, pois é algo muito sério. O acompanhamento da equipe do Fórum Clóvis Beviláqua foi exemplar, sempre atenciosos e cuidadosos com as crianças”, disse a mãe dos gêmeos.

Felizes com a adoção, a família só pensa em seguir em frente. “A minha filha sempre nos cobrava a chegada de
um irmão e hoje tem dois.
O amor é igual, a preocupação com todos é a mesma, não há diferença. Estamos muito felizes, não tivemos dificuldades de adaptação. Agora é seguir a vida”,
contou a mãe.

No Ceará há 138 crianças e adolescentes disponíveis para adoção no CNA, destas, 83 possuem irmãos, ou seja, 60,14%. Para o promotor de Justiça da 6ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude de Fortaleza, Luciano Tonet, após sete anos é mais difícil uma criança conseguir ser adotada, pois 91% dos pretendentes à adoção só aceitam crianças de até 6 anos. “É necessário que os pretendentes à adoção vejam as crianças disponíveis nos acolhimentos, vejam a realidade em que elas vivem, bem como analisem as suas condições peculiares de vida. Por exemplo, talvez um casal em torno dos cinquenta anos se sinta mais à vontade, socialmente, com adolescentes, do que com bebês. Ao passo que os pretendentes também devem ser razoáveis, para o próprio bem da criança”, disse.

A psicóloga especialista em atendimento a crianças e adolescentes, Renata Monteiro e Forti, o ideal é não separar as crianças, mas o prejuízo é bem maior se elas tiverem que viver nos abrigos juntas. “De repente se permite a adoção de irmãos separados ante a dificuldade que existe da adoção de crianças em conjunto. O ideal, claro, é que esses irmãos, após perderem a referência de pai e mãe em virtude do abandono, sigam a vida juntos, pois irmãos são referências uns para os outros. Mas no caso de haver impossibilidade, o prejuízo é menor separando do que mantendo essas crianças institucionalizadas”.

Ainda seguindo a psicóloga, “ser adotadas com irmãos representa a manutenção dos laços familiares, que são o que restam para a maioria delas, quando todas as formas de tentativas de reinserção na família biológica ou extensiva já foram fracassadas. Mas é preciso pensar no bem estar dessas crianças, e nem sempre é possível a efetivação de adoção conjunta. Quando isso ocorre sugerimos que as famílilas tenham algum tipo de relação, que possam facilitar ou possibilitar o contato com os irmãos de alguma forma para que não percam a referência, pensando na construção dessas pessoas como seres humanos”.

Para a profissional, a institucionalização é um problema sério, que traz muitas consequências psicológicas a longo prazo para as crianças. “O fato de crianças passarem tanto tempo dentro dos abrigos traz um prejuízo muito grande, pois ela acaba pensando que o abrigo é a casa dela, essa institucionalização é maléfica em todos os aspectos. Quando aparece uma família, tanto a criança quando a família sofrem com a adaptação porque no abrigo tudo é coletivo, a criança não tem a sua individualidade, e isso é prejudicial”.

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