O menino J.N. veio ao mundo no início desse ano. Horas depois, a realidade ao seu redor mostrava que a vida ia seguir sem a presença da sua mãe biológica, que de forma legal optou por entregá-lo à adoção ainda na maternidade. Mas aquela criança recém-nascida e vulnerável não ficou desamparada. Logo após o nascimento, ele foi acolhido por voluntários do projeto “Anjos da Adoção”. Hoje, menos de cinco meses depois, está sob a guarda de uma família e crescerá rodeado de amor e proteção.
Contar essa história com um final feliz para a criança só é possível porque em Fortaleza existem os “Anjos da Adoção”, projeto lançado pelo Poder Judiciário em maio do ano passado, cujo objetivo é acolher a criança entregue voluntariamente pela mãe à adoção.
Atualmente, o projeto conta com 17 anjos trabalhando em equipe de revezamento e responsáveis por acolher a gestante, ouvi-la, acompanhar as consultas de pré-natal até o parto, caso a mãe prefiram em uma ação feita por muitas mãos voluntárias. Só em 2018, os voluntários já acolheram cerca de 12 crianças, cinco já foram adotadas.
A questão central da iniciativa é a possibilidade da mãe, de forma assistida e legal, entregar o filho para adoção.
“O projeto evita o abandono, que é crime. A mãe manifesta o desejo de entregar e na hora do parto os voluntários do projeto acolhem a criança imediatamente e a encaminham para o acolhimento determinado pelo Poder Judiciário. Crime seria dar destinação indevida ao filho. O nosso objetivo é evitar isso. Temos a missão é proteger a vida sem julgamentos”, diz Adriana Meireles coordenadora do Departamento de Agentes de Proteção à Infância e à Juventude de Fortaleza, explicando que caso a mãe desista da entrega, o atendimento é suspenso sem problemas.
A criança só é inserida no Cadastro Nacional de Adoção (CNA) após o período puerperal da mãe, ou seja, quando ela realmente manifesta esse desejo de dispor do filho. “O importante é que as mães saibam da existência do projeto e que elas podem entregar a criança de forma legal e sem embaraço para ela”, disse Adriana.
Como o projeto ainda está em fase inicial, não há parcerias firmadas com maternidades ou instituições afins para que as mães tenham conhecimento e saibam o que fazer em casos como esses. “Estamos ainda iniciando. Mas caso a mulher informe à assistência social das maternidades, nós somos chamados”, esclareceu Adriana.
DECISÃO
O primeiro “anjo” a fazer trabalho prático em hospital após o lançamento efetivo do projeto foi a técnica de enfermagem Eveline Costa. “Ao ouvir o choro do bebê no centro cirúrgico, senti-me envolvida pelos dois lados: da mãe, que estava com sentimento de abandono, e da criança, que passava por um gesto de amor. É importante não julgar a mãe, evitando constrangimento, e também garantir a segurança ao bebê, evitando adoções irregulares ou até mesmo abandono”, disse ela.
O primeiro passo a ser dado por uma mulher que deseja entregar o filho à adoção é procurar o setor de procedimentos administrativos e judiciais da infância e juventude do Fórum Clóvis Beviláqua. No local, deve expressar o desejo de entregar a criança aos profissionais. Em seguida, ela será encaminhada para ser ouvida pelo Juízo da Vara da Infância e Juventude. A partir daí, os voluntários serão acionados para acompanhar o caso até o nascimento da criança.
No dia, os “Anjos” seguem para a maternidade junto com a mãe e acolhem a criança imediatamente após o nascimento em uma instituição determinada pela Justiça. Após o fim do período puerperal, a mãe é novamente ouvida pelo Poder Judiciário para que confirme ou volte atrás em sua decisão. Em caso de confirmação, o juiz julga a Destituição do Poder Familiar (DPF), documento que desvincula a criança da mãe biológica. Assim, a criança é inserida no Cadastro Nacional de Adoção (CNA) e fica à disposição para ser adotada por um pretendente. “O tempo de espera geralmente é rápido, pois não há insistência no vínculo familiar uma vez que a genitora expressou à Justiça a sua vontade. Essas crianças esperam por uma família por pouco tempo e tudo ocorre dentro do que determina a legislação brasileira”, salientou Adriana Meireles.
A Lei de Adoção determina que qualquer criança ou adolescente só seja disponibilizado para adoção após cessarem todas as possibilidades de retorno à família biológica. “Desvincular uma criança ou adolescente de sua família de forma definitiva é algo muito sério. Por isso, a lei determina que se deve insistir no vínculo familiar, ou seja, nos laços de família, até que realmente não tenha mais chances de aproximação. Somente após essa etapa é que podemos recomendar a destituição do poder familiar. Isso dá uma segurança ao processo para que não ocorram desistências”, explicou a assistente social Adriana, do abrigo Casa do Menor.