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O poder-dever de criar criança

O poder familiar pode ser definido como um complexo de direitos e deveres pessoais e patrimoniais com relação aos filhos menores, não emancipados, e que deve ser exercido no superior interesse destes últimos. Destarte, o poder familiar trata-se de um direito-dever, exercido pelos pais em benefício e a serviço dos interesses do filho. Esta definição é da Professora Kátia Maciel, no livro Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos teóricos e práticos, Editora Saraiva.
Constitui-se, portanto, em uma função serviente que busca criar e desenvolver a identidade e a personalidade de um ser em processo de formação. É um múnus publico de extrema responsabilidade que recai sobre os pais, a partir do momento em que decidem exercer a paternidade e/ou maternidade.
O exercício do poder familiar, portanto, reúne uma série de deveres, que, antes de serem jurídicos, são deveres morais, revestidos dos mais diversos sentimentos que circundam a relação paterno-filial, razão pela qual se diz que foram acolhidos (e não criados) pela lei, o que engrandece o papel dado ao afeto nas relações familiares.
Dessa forma, em caso de desassistência familiar, seja ela material ou emocional, deve-se atentar para a real intenção dos genitores em preservar o interesse dos filhos, tendo em mente as possibilidades subjetivas de os pais exercerem o poder parental.
Segundo a Doutrina da Proteção Integral (art. 227 da Constituição Federal), crianças e adolescentes são sujeitos de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, garantindo-lhes a lei, ainda, direitos especiais decorrentes de sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, de forma que, uma vez desrespeitados os deveres inerentes ao poder familiar, imprescindível se torna a intervenção do Estado com o fito de garantir esses direitos.
Negar-se tal entendimento é recusar vigência aos dispositivos legais do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/90, configurando flagrante violação à proteção integral prevista no art. 227 da Constituição da República.
Nesse sentido, estas normas dispõem sobre a proteção integral da criança e do adolescente, de forma a garantir-lhes o exercício de todos os direitos fundamentais e sociais inerentes à pessoa humana, estabelecendo normas rígidas que devem ser obedecidas por todos.
Em seu art. 22, dispõe o Estatuto incumbir aos pais o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, prevendo, de outro lado, a possibilidade de perderem o poder familiar na hipótese de descumprimento injustificado desses deveres (art. 24 do ECA).
No caso do abandono de crianças em abrigo, prática lamentavelmente tolerada no Brasil, rompe-se um direito fundamental da criança, essencial à sua dignidade de pessoa humana, que é o de viver em família. Qual família é necessária? A que é capaz de colocar afeto em exercício para protegê-la, amá-la e criá-la. Essa deve ser a preocupação principal dos operadores da chamada rede de proteção da criança ao tratar das questões inerentes à institucionalização.
Institucionalizar uma criança é intolerável. É privá-la do afeto essencial que é essencial para sua formação humana. O costume aceito de se ter crianças a adolescentes vivendo por anos em instituições de acolhimento é revelador de uma sociedade que não se importa com quem mais importa. Uma sociedade que está disposta a descumprir sua própria Constituição. Uma sociedade que se desumanizou paulatinamente sem se dar conta que o precioso estado de atenção com o outro se esvaía na correria para a glória pessoal.
Com mais razão ainda, o exame de consciência aqui proposto deve ser feito pelos operadores do Direito, integrantes do Ministério Público, Defensoria Pública e Magistratura, que são historicamente chamados a dar solução rápida a cada caso concreto. Precisam tomar uma decisão de cunho pessoal: escolher entre o fácil discurso demagógico da falta de políticas públicas para justificar a paciência infinita que muitas vezes se demonstra com a família de origem ou obedecer a Constituição e prover o direito que falta, que é roubado da criança enquanto ela cresce na solidão, dando a ela uma chance de amor. Com a palavra, os Promotores, Defensores e Juízes. Do lado de quem verdadeiramente estão?

 

Sávio Bittencourt
Procurador de Justiça na Infância e Juventude do Estado do Rio de Janeiro

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