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Fortaleza

Conversa ao pé do Cristo

A pequenininha se aninhava no colo do pai. Estava um pouco frio naquela manhã, sobretudo para os padrões do Rio de Janeiro. Subiram cedo o morro do Corcovado para ir ao Cristo Redentor, pela primeira vez na sua vidinha. Se sentia muito contente com aquele passeio de família grande, cheia de irmãos, barulhenta, na qual ela desempenhava o protagonismo de caçula, paparicada por todos. Subiram de trenzinho floresta acima. Já era o suficiente para a qualificação do episódio como muito legal mesmo. Mas a conversa ocorreu aos pés da estátua do Cristo que, de perto, é esverdeada clara, gigantesca aos olhos de uma menininha. Havia nuvens no céu. Não se enxergava o rosto do Cristo, mas somente de baixo da estátua. E olha que ela estava no colo do papai que era grandão. Mesmo assim não dava para ver nada direito.

Ficaram por ali, pai e filha, por uns minutos esperando a baforada benfazeja do vento limpador. A expectativa de ver o Papai do Céu era muita e aquela nuvem chata estava tampando seu rosto. Estava apreensiva com a situação. Ali devia ser o céu mesmo, já que tinha tanta nuvem. Olhava para cima e conversava com o pai, perguntando se não poderia vê-lo e tal e coisa. Falante a garotinha. E o pai, já secretamente aflito com a invisibilidade da imagem, disfarçava com conversas mil, engambelando a guria com historinhas.

De fato, aquela garotinha lhe havia chegado em meia surpresa. Vida organizada, orçamento pensado e milimetricamente executado. Poupança familiar sendo meticulosamente realizada, de pouquinho em pouquinho. Casamento estabilizado, três filhos na escola. Prestação da casa paga regularmente. Tudo Certinho Futebol Clube. De repende, uma nova gravidez, neném pra cuidar. A vida implica com os acomodados. A felicidade frequentemente debocha das organizações mais severas.

Quatro anos e pouco depois, estava ele aos pés do Redendor, com a menininha no colo, esperando o sopro de vento que lhes permitiriam contemplar a sua face. Uma brisa era necessária para que aquele encontro tivesse algo mais especial, amor de pai e filha, amor de Criador, amor Amor mesmo. As historinhas de enrolar criança já estavam se esgotando quando, de leve, o paizinho sentiu o toque suave do vento de outono em seu rosto. Começava a se dissipar aquela nuvem sobre a imagem e sua silhueta começava a se delinear para alegria geral dos presentes. Um golpe mais forte deste vento abençoado, logo em seguida, acabou por revelar por inteiro a figura deslumbrante do Cristo, contrastando com um céu agora azul, como pano de fundo. A menina sorriu lindamente. Sorriso de criança, sincero e espontâneo.

Ficaram ali, pai e filha abraçadinhos contemplando por alguns momentos aquela aparição tão esperada. Ela olhava para cima, em direção à estátua e para o rosto do pai, num esforço de compartilhar sorrisos, em cumplicidade. Foi quando, se detendo mais firmemente no Cristo e na expectativa que algo mais acontecesse, perguntou ao pai, ainda sorrindo: “Pai, ela não sabe falar?”. Pego de surpresa com a pergunta, o moço achou que seria enfadonha uma explicação técnica sobre a estátua, sua constituição e possibilidades. Preferiu mergulhar mais profundamente na inocência que sua filhotinha propunha. Abraçou-a mais forte neste instante, sentindo o perfume de seus cabelinhos liso bem tratadinho pela mãe, e sussurou carinhosamente: “Ele sabe falar sim, filha. É a gente que quase sempre não sabe ouvir”. Ela lhe deu um beijinho e foram ter com seus irmãos em correria. Era hora do piquenique.

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