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Fortaleza

Quinta das Lágrimas

 

Na Arcada da Capela, o belo restaurante do hotel Quinta das Lágrimas, em Coimbra, Portugal, à beira do camoniano rio Mondego, sob as bênçãos da milenar Universidade de Dom Diniz, a mineira família Gorgulho-Juca, escolheu para rever amigos portugueses.
O lugar perfeito. Desde a idade média (a partir de 1350), a Quinta das Lágrimas, que já foi da Universidade e de uma ordem religiosa, cercada de matas e jardins cheios de araucárias e palmeiras, plátanos e figueiras, sequoias e agapantos, é o oásis de paz da cidade das tensas cátedras, das rebeliões e dos abismos políticos de Portugal.
Esta é uma casa de punhaladas, um símbolo universal das intrigas, brutalidades, violências e assassinatos a serviço da loucura humana.
Por isso a Quinta das Lágrimas se fez tema e inspiração da literatura mundial. Voltaire, Victor Hugo, Stendhal, Ezra Pound, tantos já escreveram sobre ela. Mas nenhum com a força e a genialidade de Luiz de Camões, que no Canto III dos Lusíadas celebrou o amor e o martírio de Inês de Castro, ibérica e trágica Julieta (“Estavas, linda Inês, posta em sossego”), que “depois de morta foi rainha” e cujo amor impossível está eternizado em pedra e água na Fonte das Lágrimas.
“As filhas do Mondego a morte escura/ Longo tempo chorando memoraram/ E por memória eterna em fonte pura / As lágrimas choradas transformaram,/ O nome lhe puseram que ainda dura/ Dos amores de Inês que ali passaram,/ Vede que fresca fonte rega as flores/ Que as lágrimas são água e o nome amores.” Maior e mais fantástica do que a poesia de Camões é o milagre de sua vida. Soldado, doca e náufrago, com um poema fundou uma nação.
Como todas as eternas novelas maravilhosas, a de Inês de Castro tinha de tudo. Dom Afonso era rei de Portugal, dom Pedro, filho dele, era príncipe. E andava pela corte uma “galega” magnífica, filha bastarda de um dos homens mais poderosos da Espanha, neto do rei Sancho, de Castela, que o príncipe dom Pedro também era. Pedro e Inês eram primos. E se apaixonaram.
Começou o maior tititi na corte, porque o príncipe Dom Pedro, que morava na Quinta, era casado com dona Constança, também prima dos dois. Inês vivia no Convento de Santa Clara, a meio quilômetro da Quinta, e Dom Pedro lhe mandava cartas em barquinhos de madeira que saiam da Quinta e chegavam até o convento por um córrego que, em um cano, passa até hoje.
Dom Pedro acabou levando Inês para a Quinta e tiveram filhos. Dom Afonso, o rei pai, não queria aquilo e, um dia em que dom Pedro estava nas matas, caçando, mandou três homens matarem Inês de Castro a facadas.
Ela chorou tanto, pedindo para não morrer, que fez nascer a Fonte das Lágrimas, onde há quem veja, ainda hoje, gravada na rocha, a mancha vermelha do sangue de Inês. Não sei o que é, mas tem cor de sangue.
O príncipe dom Pedro se rebelou, organizou um pequeno exército e assolou o país, tentando derrubar o pai. Não conseguiu, mas logo depois o pai morreu, dom Pedro assumiu o trono, prendeu dois dos assassinos, arrancou-lhes os corações a facadas, anunciou que havia casado secretamente com Inês antes de ela morrer e mandou construir o monumental túmulo de Alcobaça.
O rei fez uma marcha fúnebre de Coimbra ate Alcobaça e obrigou toda a nobreza a acompanhar, beijando a mão da morta. E pôs o corpo dela no túmulo, onde também o dele está. Por isso, Inês “depois de morta foi rainha”.
Este bucólico recanto do romantismo universal, é sobretudo um testemunho secular do ódio e da violência política. O poder mata mais do que dengue e febre amarela. E mata a facadas.

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