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Viagem com Jorge Amado

 

Ele não queria ir de avião. Preferia o trem, de Roma até o sul da Itália e de lá para a Sicília. Zélia Gattai, a mulher, e Paloma, a filha, achavam demorado. Acabou se convencendo e voamos direto para Palermo.
Jorge Amado passou em Roma em 1990, deu entrevistas como sempre, participou como jurado da entrega do “Prêmio Internacional União Latina de Literatura” e fez um debate no “Centro de Estudos Brasileiros”, na embaixada brasileira, ali na magnífica Piazza Navona, onde eu era adido cultural.
Ele ia receber em Palermo, capital da Sicília, o “Premio Mediterrâneo”, mais importante da Sicília.
Jorge foi, durante décadas, o embaixador da cultura brasileira no mundo e o autor brasileiro mais lido em todos os países. Zélia Gattai fez muito bem em eternizá-lo, fazendo da casa do Rio Vermelho o “Memorial Jorge Amado”.

Nas ruas de Roma, nas esquinas da Sicília, era inacreditável a alegria do casal Hilda e Geangaspare Ferro em Palermo, ela brasileira, numa feijoada perfeita, estavam quatro casais que se conheceram por causa dos livros dele.
Eram italianos ou italianas que descobriram o Brasil, a Bahia, o Rio de Janeiro, nos livros dele, vieram conhecer o país, aqui encontraram brasileiras ou brasileiros, conheceram-se, casaram e foram agradecer a Jorge, santo casamenteiro. E algumas belas Gabrielas nascidas do romance de 1958.

Na Faculdade de Línguas e Literatura de Palermo, com os muros cobertos de slogans da esquerda, Jorge fez, durante horas, um debate com os estudantes. O que eles mais queriam saber era como o Brasil conseguiu misturar suas raças e a Europa vive cada dia mais envolvida no brutal conflito entre suas populações nativas e os imigrantes. Jorge Amado (foto) ensinou sua sabedoria:
“Racismo só acaba na cama. Quando o primeiro português amou a primeira índia, começava no Brasil o mistério da nossa língua e nossa Nação”.
À noite, na entrega do prêmio, no Parlamento lotado, lá estava a Sicília oficial: o governador da província, o presidente do Parlamento regional, o pomposo cardeal Salvatore Pappalardo, escritores, professores e jornalistas.

O grego Homero a chamou “Ilha do Sol”. Mas quem a definiu foi Goethe: “Sem ver a Sicília, não se pode fazer uma ideia da Itália. É na Sicília que se encontra a chave de tudo”. Tomasi di Lampedusa, escritor siciliano, disse no clássico “Il Gattopardo”.
– “Somos velhos, velhíssimos. Há 25 séculos, ao menos, carregamos nas costas o peso de magníficas civilizações heterogêneas, todas vindas de fora, nenhuma germinada aqui. Somos tão brancos quanto a rainha da Inglaterra. No entanto, há dois mil anos somos colônia”.
A Sicília não é filha da Itália. É mãe. Não veio do Império Romano. É anterior. A civilização grega, antes de chegar a Roma, já estava na Sicília. Roma é a mãe da Europa. A Sicília é a avó. Uma vovó mafiosa, mas vovó.

Os fenícios, já instalados no norte da África, em Cartago, chegaram à Sicília e criaram sua primeira cidade, Panormo, hoje Palermo matriz fenícia e grega, depois romana, da Europa. Só no século III antes de Cristo, Roma chega à Sicília, com Pirro, para ajudar os gregos contra os fenícios. Roma derrota Cartago, expulsa os gregos e fica dona da ilha.
Durante séculos a Sicília foi o mais importante centro da civilização ocidental: desde o ano 1000 antes de Cristo, com os fenícios; depois, nos anos 500 antes de Cristo, com os gregos; antes de Roma foi o centro do Império Romano, com os romanos; e com os normandos, quando o Império Romano desabou, até 1250, quando morreu Frederico II e os franceses e espanhóis, protegidos pelos Papas, puseram a Sicília em séculos de opressão.

Primeira universidade do mundo e primeiro parlamento do mundo, em Palermo, em 1130, a Sicília surpreendeu Jorge Amado. Na catedral, flores frescas, do dia, no túmulo de Frederico II, “o rei sábio”, enterrado lá. Até hoje o povo enfeita sua morte, uma espantosa ternura por quem viveu até 1250.

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