O setor da construção civil é um dos que tem sentido fortemente o impacto da economia desfavorável do País. No Ceará, por exemplo, mesmo depois de dois anos de recessão, o setor ainda deve demorar para crescer, já que o estoque de imóveis está muito além da média histórica e, com isso, muitos lançamentos estão sendo postergados pelas construtoras – cenário que precede novos cortes de empregos ainda existentes no setor.
Para falar sobre os desafios do setor e perspectivas, o engenheiro André Montenegro, presidente do Sindicato das Construtoras (Sinduscon-CE) – o segundo maior do País, com 500 associados –, concedeu entrevista ao Jornal O Estado, em que aponta, ainda, os impactos nos vários segmentos que compõem a cadeia produtiva no Estado. Atualmente, o setor abrange 54 mil empregos diretos e 162 mil indiretos, aproximadamente.
André Montenegro afirma ter esperança de que a economia retome o crescimento, mas isso é lento. CRÉDITO: NAYANA MELO / OE
O Estado – Como está o mercado da construção civil no Ceará, nesses primeiros meses de 2017?
André Montenegro – A gente está esperançoso de que a economia retome, já que, até o momento, está muito lenta. Algumas medidas macroeconômicas do Governo Federal ajudaram, mas são medidas que vão surtir efeito no médio e longo prazo. Então, nesses três primeiros meses não houve uma mudança em relação aos três primeiros meses do ano anterior. A gente espera que, em abril, comece a haver alguma diferença. O que a gente está sentindo é a retomada das visitas dos clientes aos estandes de venda. Realmente, eles estão pesquisando muito, já que a oferta está muito grande.
OE – Diante de um cenário econômico ainda difícil, como está a demanda por imóveis?
AM – Ainda não melhorou, mesmo com as ações do Minha Casa Minha Vida (MCMV), que devem melhorar em abril porque demanda tempo para fazer os contratos. Nossa esperança é que, nesse mês, as medidas do Governo, como o aumento do limite da renda, como o valor, também, do imóvel, que pode ser financiado pelo FGTS, surtam efeito.
OE – Isso tem retardado os lançamentos, também, para 2017?
AM – Com certeza, até porque nosso estoque está relativamente alto em relação à média histórica. Temos essa média em Fortaleza em torno de quatro mil unidades em estoque – hoje temos 11 mil unidades. Então, primeiro, temos que vender o estoque para começar a lançar. Essa é uma medida cautelosa das empresas, e eu acho que elas tem razão, e, ao mesmo tempo, muito ruim, porque isso vai gerar desemprego, porque as empresas estão terminando os prédios e não tem novos para começar.
OE – Por falar em desemprego no setor, poderá haver mais perdas ainda este ano?
AM – Em 2014, tínhamos 94 mil operários na construção civil. Hoje estamos com 52 mil, então, a queda foi muito grande. Acho que ainda vamos ter perdas, em 2017, porque temos dois fatores: primeiro, temos o mercado de venda avulso, e temos o mercado do Minha Casa Minha Vida. No MCMV, estamos construindo em torno de 30 mil unidades e esse número a gente está finalizando, a gente está desempregando, pois não está havendo reposição dessas obras, como no mercado imobiliário também. Então, como as vendas não estão muito boas, não há reposição dessas novas obras. Então, acredito que, até o meio do ano, deveremos ter ainda problemas de desemprego.
OE – Quais outros segmentos que compõem a cadeia produtiva, estão sendo prejudicados com o desaquecimento do setor?
AM – A indústria da construção civil é uma locomotiva mesmo. Há uma cadeia muito grande por trás dela. Para cada emprego gerado, no setor, são três gerados indiretamente. Então, temos o setores químico (cimentos, tintas, solventes, por exemplo), metalmecânico (aço e esquadrias), cerâmica, extração mineral, mármores e granitos, a parte de fardamentos também, serviços (engenheiros, arquitetos e prestadores de serviços em geral). É uma cadeia enorme. Além disso temos uma cadeia direta, como a indústria de móveis, a indústria branca (eletrodomésticos), enfim. Então, a construção civil precisa ser incentivada, porque é uma locomotiva de desenvolvimento e de geração de empregos.
OE – Em nível nacional, indicadores já apontam melhora na confiança dos empresários do setor. No Ceará, esse sentimento acompanha essa tendência?
AM – Sim, a gente tem esperança. Acreditamos que chegamos ao fim do poço, mas a gente tem consciência de que a saída dele não vai ser rápida, mesmo porque não acreditamos em soluções milagrosas, mas em soluções sustentáveis, que façam com que a gente, realmente, cresça e não fique nesse ritmo de crescimento e decréscimo. Está sendo muito dolorosa essa recessão, que levou a perder 8% do PIB e isso é um atraso muito grande, e levaremos uma década, ou mais, para recuperar esse estágio de crescimento.
OE – Sobre o fim da desoneração da folha de pagamento, anunciada pelo governo, poderá impactar o setor, mesmo estando isento?
AM – Um dos poucos setores que não foram impactados com essa medida do Governo foi a construção civil, já que ele permaneceu com a legislação. Mas para todo mundo é ruim, pois, quando os outros setores têm esse benefício retirado, eles vão ter que gastar mais com impostos, tirando dinheiro de circulação e colocando na mão do Governo, enquanto que a iniciativa privada precisa de dinheiro para gerar renda, emprego, e mais investimentos. Então, pra gente, é ruim, embora o setor permanecesse com a desoneração, mas nós precisamos que, no mercado, circule dinheiro. Quando outros setores são prejudicados, fatalmente chegará na nossa construção também.
OE – Quanto à terceirização, como o setor vem lidando com essa realidade?
AM – A terceirização na construção civil já é uma realidade, e, também, em outros setores. O que essa lei veio dar foi segurança jurídica para que isso acontecesse. A terceirização é uma tendência mundial, ou seja, as pessoas e os serviços tem que ser mais especializados para gerar mais produtividade e todo mundo ganhar. Quando se tem uma equipe especializada, por exemplo, em só fazer pintura, com equipamentos melhores que os meus e técnicas melhores – já que são especialistas e trabalham com isso todo dia –, então, porque não terceirizar? Isso não significa que vou pagar mais barato, posso pagar até mais caro pelo serviço, mas vou ganhar pela produtividade, velocidade, além de terminar o serviço mais rápido do que se eu contratasse diretamente. Isso são benefícios que são gerados pela terceirização. Além disso, a rotatividade, dentro da construção civil, é muito grande. Quando se tem um serviço terceirizado, essas pessoas permanecem naquela empresa e não precisam sair de uma hora para outra, diferentemente de mim, que contrato a estrutura do prédio, como carpinteiro, servente enfim. Ao terminar a estrutura de concreto, eu tenho que colocá-lo para fora, porque não tem outro serviço para ele fazer. Se ele trabalhasse em uma empresa especializada só em concreto, ele permanece naquela empresa porque vai passando, de uma obra para outra, continua fazendo o mesmo serviço. E as pessoas alegam, também, a questão da precarização do trabalho, e isso é uma grande mentira, porque, quando o empregado de terceirizada entra numa obra, ele vai ter duas garantias, ou mais: do empregador dele e da própria construtora também. Temos que dar garantia de que, embora trabalhando como terceirizado, na minha obra, ele está recebendo os mesmos direitos de lei que um funcionário que é contratado diretamente.
OE – Quais os desafios da indústria da construção cearense, na atual conjuntura?
AM – Nessa nova gestão, da nova diretoria do Sinduscon-CE, que começou em 2017, o nosso desafio é a própria atividade. Nossa indústria parou no tempo em relação às indústrias modernas, como a automobilística e outras que estão aí – às quais chamamos de indústria 4.0, que reúne informática (TI) e internet das coisas – e a construção civil ainda coloca tijolo em cima de tijolo, e com ganhos de produtividade cada vez menores. A gente, realmente, tem dado ganhos reais de salário ao nosso funcionário, mas não temos esses ganhos em produtividade proporcional. E a mão de obra está cada vez mais cara, então, temos que partir para um treinamento muito bom dessa mão de obra, e partir para uma industrialização, também, da construção – para dar mais qualidade e velocidade; e diminuir o ciclo da construção. Um prédio, hoje, entre comprar o terreno, erguer o prédio e receber o dinheiro, demora cinco anos, o que é muito longo e está fazendo com que os imóveis fiquem mais caros. Então, nosso foco é ganhos de produtividade, novas tecnologias, gestão e treinamentos aos funcionários.
OE – E quais projeções para este ano? Poderá haver crescimento?
AM – Poderá haver crescimento, embora pequeno, assim como todo Brasil – e existe uma tendência de crescimento do PIB de 0,5%. Nosso setor, como todos os outros da economia capitalista é diretamente ligado ao juros. E a tendência é de que teremos os juros de um dígito e, se isso acontecer, será muito bom, e a gente espera que se os juros baixarem a economia gire. Esse dinheiro não será atrativo para as pessoas colocarem para render em poupança ou aplicações financeiras, mas ao aplicar em negócios, onde gera riqueza e emprego.
Glossário
Terceirização. Forma de organização estrutural que permite a uma empresa transferir a outra suas atividades-meio, proporcionando maior disponibilidade de recursos para sua atividade-fim, reduzindo a estrutura operacional, diminuindo os custos, economizando recursos e desburocratizando a administração.
Segurança pública. Princípio existente para que a justiça, finalidade maior do Direito, se concretize. Vale dizer que a segurança jurídica concede aos indivíduos a garantia necessária para o desenvolvimento de suas relações sociais, tendo, no Direito, a certeza das consequência dos atos praticados.
Indústria 4.0. Também chamada de Quarta Revolução Industrial, é um termo que engloba algumas tecnologias para automação e troca de dados e utiliza conceitos de sistemas cyberfísicos, internet das coisas e computação em nuvem.
NONATO ALMEIDA
economia@oestadoce.com.br