O setor de alimentos no Ceará, é um dos poucos que não foram muito impactados pelo cenário político-econômico controverso do País. De acordo com o Sindicato das Indústrias e Rações Balanceadas do Ceará (Sindialimentos) – entidade que representa as 113 empresas filiadas ao sindicato –, em 2016, apesar de ter o registro da paralisação de apenas uma empresa por conta da crise, outros fatores, como a seca, por exemplo, afetou a produção de tilápia e melão. Ao todo, 1.153 empregos foram cortados só no ano passado. No estado 1.656 empresas estão em atividade, o que representa um número expressivo de 34.016 empregos no setor. Contudo, na visão do presidente da entidade, André de Freitas Siqueira – em entrevista exclusiva ao Jornal O Estado – aponta que o comércio exterior tem sido a alternativa mais favorável ao desenvolvimento da indústria cearense.
O Estado – Como tem sido o desempenho do setor nesse período de crise, no Ceará?
André Siqueira – A gente fez uma avaliação de 2016 e constatamos que o setor de alimentos foi um dos menos impactados dentre os principais segmentos no Ceará, do ponto de vista da participação do PIB como também de demissões. Temos casos de empresas que foram mais atingidas, com atividades paralisadas ou comprometidas – como produtores de tilápia e todas as de produção de melão –, mas também tivemos casos de empresas que cresceram durante a crise, procurando inovar e crescer durante a crise, através de novos produtos e procurando novos mercados. Há casos, em nosso setor, que empresas passaram a exportar, abrindo uma nova perspectiva e saindo um pouco, da problemática da economia brasileira.
OE – A valorização do dólar, que ultrapassou a barreira dos R$ 4,00 no ano passado, e sua posterior estabilidade este ano serviram de incentivo às exportações?
AS – Também. Hoje é a estabilidade do dólar que traz mais um conforto, já que, há bastante tempo ele está estável, entre R$ 3,10 e R$ 3,20, e isso é bom para as relações comerciais, porque, quando há uma oscilação de câmbio muito grande, uma hora é bom, outra é ruim – o que dá uma insegurança muito grande. O mercado internacional tem se mostrado como uma solução importante para alguns produtos dos segmentos que temos das empresas filiadas. E a Federação das Indústrias (Fiec) tem um papel fundamental nesse processo, através do Centro Internacional de Negócios (CIN) – que trata das relações internacionais de empresas cearenses com o mundo, seja comprando ou vendendo, apoiadas por capacitações de programas específicos para as exportações, como o Peiex, da Apex, que contempla nosso sindicato, que prepara o empresário como o rótulo, preço e como se portar no mercado internacional. Então, há todo um preparo e estudo para melhorar a competitividade e a possibilidade de negócios da empresa cearense com o mercado internacional.
OE – Nesse contexto, quais empresas cearenses, que não exportavam antes e, com a crise, passaram a exportar?
AS – Em particular, posso destacar o segmento de polpa de frutas, com uma empresa que começou exportando para a Alemanha e já está em negociação para outros países – e há outras empresas do segmento se preparando para exportar. Há de se destacar, também, a importância de buscar produtos para importação. Às vezes a gente só pensa em vender, mas também existem oportunidades no inverso, em identificar produtos que tenham competitividade no Ceará e que possam ser trazidos para a comercialização. Estamos com uma aproximação muito grande com Portugal e estamos em uma missão, no próximo dia 1º de junho, para participar da maior feira de alimentos de Portugal (Alimentaria) – em que levaremos 11 empresários, sendo que quatro deles irão expor produtos de polpas de frutas, sucos e mudas de plantas clonadas, de uma biofábrica instalada no Eusébio. Então, esperamos que essa abertura com Portugal traga bons frutos, tanto em busca de produtos para serem importados como a serem exportados.
OE – Quanto ao mercado interno, qual o movimento observado? Há mais compra de insumos ou vendas para outros estados?
AS – São poucos casos de vendas para outros estados. O mais comum, no nosso caso, é a importação de insumos de outros estados, como, por exemplo, a indústria de polpas de frutas, que se abastece de frutas de vários estados nordestinos e de outros fora da região. Nossa indústria de ração adquire grãos também de fora do Estado, porque o Ceará não produz nem as frutas necessárias para o portfólio de produtos que as indústrias precisam, como também não existe grãos suficientes – na verdade nem existe produção – de milho voltado para a indústria de ração e soja. Então, é mais comum o inverso, buscando insumos de outros estados, até de fora do País, para abastecer o mercado local.
OE – E quanto ao uso de tecnologias, como tem sido trabalhada essa questão?
AS – Há uma cooperação tecnológica. O sindicato, através do CIN, do Núcleo de Economia e Conselho de Inovação da Fiec – do qual faço parte, como membro – também está muito antenado com relação ao uso de tecnologias. Então, a Funcap (Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico) lançou um edital, juntamente com a fundação de pesquisa portuguesa para identificar estudos que possam ser desenvolvidos em conjunto. Então, conseguimos contribuir com a aproximação de alguns projetos e a cooperação é uma forma de interação entre países.
OE – Como está o ânimo do empresariado frente às dificuldades econômicas do País? E quais as perspectivas?
AS – O cenário econômico tem reagido, e temos vários sinais através de muitas iniciativas que o governo Temer está tomando – dentre elas, as reformas da Previdência e Trabalhista, e o início da reforma política –, e isso tem impactado, muito, na questão da redução de juros. Temos, hoje, comparado ao ano passado, uma oferta de dinheiro com juros menores, bem mais atrativos; temos uma queda na inflação, o que traz uma estabilidade melhor ao mercado e, também, abre uma nova perspectiva. Quanto ao ânimo dos empresários, a expectativa hoje é bem melhor que há alguns meses. Alguns já estão retomando suas capacidades produtivas, que haviam sido perdidas e outros já estão investindo em novos equipamentos, ampliações e contratações – o que, antes, era uma coisa totalmente distante da realidade. Então, acreditamos que esse cenário, ao longo de 2017, tenda a melhorar ainda mais, e a perspectiva, para o ano que vem é muito positiva.
OE – Além da conjuntura econômica, como o setor vem atravessando a longa estiagem e a grave crise hídrica no Estado nesse período?
AS – Esse período (de seca) afetou, gravemente, alguns setores da indústria de alimentos, principalmente a produção de tilápia – que estava concentrada na região do açude Castanhão – e a carcinicultura, que, além dos problemas hídricos, uma doença dizimou uma boa parte do plantel cearense. Em ambos os casos, o Ceará já foi o maior produtor das duas espécies – o camarão até recentemente, e tilápia, que perdeu o posto já há alguns anos. No município de Jaguaribara, por exemplo, haviam 400 pessoas que viviam da produção de peixe e, hoje, todas estão sem atividade econômica, vivendo em uma situação muito complexa no município, com desemprego e falta de renda. Então, diante desse cenário, algumas iniciativas estão sendo tomadas, no sentido de buscar tecnologias que permitam a criação de peixe e camarão, com o sistema de reuso de água, chamada de bioflocos – tecnologia que é, localmente, nova, mas antiga no mundo. Já existem estudos e pesquisas e produção de produção com esse sistema de reuso de água. Nosso sindicato tem buscado aproximar essa tecnologia dos produtores locais e negociando a vinda de um curso em que pesquisadores dessa área, de Goiânia, para ampliar, aqui, o quando de pessoas qualificadas para que possam estar implantando e acompanhando atividades nesse sentido. Nos demais setores, a seca afetou a pecuária – especialmente quanto à produção de leite – e fruticultura também.
OE – E de que forma o Sindialimentos vem atuando para o fortalecimento setorial e ajudar as empresas a se manterem no mercado?
AS – Hoje o sindicato se vale muito de seus parceiros. O principal deles, externo ao Sistema Fiec, é o Sebrae, através do qual temos muitas ações. Nosso sindicato é composto, em sua maioria, por micro e pequenas empresas, que são o público-alvo do Sebrae. Entre as ações, temos o Procompi (Programa de Apoio à Competitividade das Micro e Pequenas Indústrias); o Agente Local de Inovação, que atende o setor de alimentos, nos municípios da Região Metropolitana de Fortaleza, regiões Norte e do Baixo e Médio Jaguaribe; temos, também, um programa que visa a sustentabilidade, através do Sesi; o Brasil Mais Produtivo, do Governo Federal, em parceria com o Senai, um grande parceiro nosso. Temos uma grande parceria com o Sistema Fiec, em que o presidente Beto Studart não mede esforços para apoiar os sindicatos, e criou, ano passado o Núcleo de Atendimento aos Sindicatos, que aproxima as soluções, busca recursos e projetos para apoiar os sindicatos e, consequentemente, o desenvolvimento das empresas afiliadas.
OE – Quais os principais desafios da indústria de alimentos cearense?
AS – O grande desafio é sempre buscar a inovação, pois ela pode mudar o cenário de uma empresa – seja através de um novo produto, um novo processo, aumento de produtividade, mercado que nunca foi acessado, enfim. A busca constante pela inovação, seja complementar ou disruptiva, pode fazer a diferença. No Programa Brasil Mais Produtivo, por exemplo, cuja proposta, aos que fazem adesão, é elevar a produtividade em 20%, em três meses. Se todos os empresários conseguissem melhorar sua produtividade em 20%, essa seria a diferença entre a crise e o sucesso.
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NONATO ALMEIDA
economia@oestadoce.com.br