Adoção
A comarca de Fortaleza julgou, de janeiro a maio deste ano, 70 processos de adoção. Atualmente, segundo dados do Setor de Cadastro do Fórum Clóvis Beviláqua, há 363 pretendentes habilitados à adoção em Fortaleza, destes, 237 desejam crianças de até 4 anos. Há ainda 45 crianças disponíveis para adoção, todas com idade superior a 7 anos, sendo que 25 possuem alguma deficiência. Além disso, são 251 acolhidos na cidade, sendo 135 meninos e 116 meninas. Do total, 61 possuem menos de 3 anos de idade. Este é o panorama sobre a situação de adoção e de crianças e adolescentes em situação de acolhimento em Fortaleza.
Na última publicação da série de reportagens sobre o assunto, em razão do mês da adoção, sobretudo o Dia Nacional da Adoção, comemorado no último dia 25 de maio, a juíza coordenadora das Varas da Infância e juventude do Fórum Clóvis Beviláqua, Mabel Viana Maciel, conversou com o O Estado sobre o assunto. Entre outros assuntos, falou que a expectativa atual é de pouco mais de três anos para crianças de até três anos de idade serem adotadas na capital, mas ponderou que se a pessoa que pretende adotar escolher um perfil menos restritivo, esse tempo diminui. A magistrada disse que o sistema de Justiça trabalha em harmonia e que para falar sobre demora do processo de adoção é preciso entender como ele ocorre.
O ESTADO | Qual avaliação a senhora faz dos últimos dois anos sobre o andamento dos processos de adoções em Fortaleza?
MABEL VIANA | Acredito que estamos realizando um trabalho significativo. Cada profissional desempenha um papel importante na unidade, desde o servidor que atende inicialmente aqueles que procuram o serviço até a Defensoria, o Ministério Público e as profissionais da equipe técnica. Quando trabalhamos em conjunto e em harmonia, somos capazes de entregar um trabalho de qualidade. No entanto, se surgir algum problema sob algum aspecto, é necessário dedicar atenção específica ao caso concreto. Ao analisar o quadro geral, observamos uma leve redução no número de adoções, mas devemos ter em mente que não se trata de uma ciência exata. Existem outros fatores envolvidos.
O E. | Muito se fala em demora dos processos, mas o fato é que todo procedimento é feito pensando no bem-estar da criança ou adolescente. Gostaria que a senhora comentasse a esse respeito.
M. V. | Para considerarmos a demora processual, é necessário contextualizar o que significa ‘demora’. O processo em si é bastante ágil. Na verdade, de acordo com o último levantamento do Conselho Nacional de Justiça, a região Nordeste é, em média, mais célere se comparada a unidades judiciárias de outras regiões. Em geral, os processos de pessoas/casais cadastrados no CNJ levam de 2 a 5 meses para serem concluídos, dependendo também da disponibilidade de datas para audiências. No momento, já temos audiências agendadas até o mês de agosto, então não temos disponibilidade imediata. No entanto, de fato, o tempo necessário para unir a pessoa cadastrada à criança pretendida leva algum tempo. A expectativa atual é de pouco mais de três anos para crianças de até três anos de idade. Se a pessoa que pretende adotar escolher um perfil menos restritivo, esse tempo diminui.
É importante deixar claro que a ‘demora’ na vinculação não é causada pela vontade da magistrada, dos servidores, dos membros da Defensoria ou do Ministério Público. A razão é que não temos crianças disponíveis com aquele perfil específico. No entanto, posso garantir que, se a pessoa tem o sonho de adotar, a espera valerá a pena. Embora possa parecer interminável, será gratificante quando começar a exercer a maternidade/paternidade socioafetiva. Aliás, sempre perguntamos isso nas audiências, se eles consideram esse tempo importante para a maturação da ideia de adoção e para o preparo psicossocial, entre outros fatores.
O E. | O que a senhora acha sobre a entrega legal? Está ocorrendo a contento? Em que pode melhorar?
M. V. | Acredito que a entrega legal veio para somar e suprir uma lacuna no ordenamento jurídico brasileiro no que se refere à autonomia da vontade da mulher. A legislação brasileira não permite, exceto em casos específicos, o aborto. Portanto, se uma mulher está grávida e não deseja exercer a maternidade, pode optar por entregar a criança ao judiciário e tal criança passará a fazer parte do cadastro do CNJ. Será dado um nome à criança, um registro será feito e buscaremos, no menor tempo possível, encontrar uma família previamente cadastrada pelo CNJ para a adoção.
Mantemos todo o histórico, a audiência é gravada em vídeo e a pessoa adotada poderá, se e quando desejar, consultar o processo, ouvir sua entrevista, conhecer sua história e entender porque a mãe optou por essa entrega. Esse processo é totalmente sigiloso, somente os procuradores e o(a) magistrado(a) que presidiu o ato, além da mãe, têm acesso a essas informações. Sobre eventual melhoria, sempre há espaço para aprimoramento, pois não existe perfeição quando se trata de questões humanas.
Acredito que falta um pouco de divulgação dessas informações, de que não é um crime e que a mãe não será rejeitada por realizar a entrega ao Poder Judiciário. Não faremos perguntas que a mãe não queira responder e não haverá julgamentos sobre os motivos que a levaram a optar pela entrega da criança para adoção nem julgamentos com base em crenças pessoais. Temos muitas mães que optaram por essa entrega como um ato de amor e sacrifício extremo e suas vontades serão respeitadas, independentemente dos motivos que as levaram a tomar essa decisão. Agora, precisamos garantir que todas as mulheres tenham acesso a essa informação. O Estado não obriga a mãe a manter a prole caso não queira. Ela pode entregá-la a pessoas que a amarão mesmo não tendo vínculo biológico, desde que o faça nos termos da lei, de forma juridicamente segura.
O E. | Em média, quanto tempo demora para uma criança ser disponibilizada para adoção?
M. V. | Depende das peculiaridades de cada caso. O Conselho Nacional de Justiça verificou junto a institutos de jurimetria e pesquisadores brasileiros para analisar os processos e identificar a razão pela qual há demora no tempo que uma criança leva desde o momento em que é acolhida institucionalmente até ser eventualmente disponibilizada para adoção. Descobriu-se que o fator preponderante é a demora na devolução de cartas precatórias. Explicando de forma mais detalhada, quando um juiz atua em uma localidade e é necessário convocar ou ouvir a mãe em outra localidade, é preciso que o juiz desta última localidade determine a ação.
Segundo os dados coletados pelo CNJ, essa demora é um fator preponderante para a demora processual. Além disso, não é incomum termos situações de mães em local incerto, e a lei exige que façamos pesquisas em bancos de dados governamentais, como a Receita Federal e o sistema eleitoral. Se um endereço for encontrado, temos a obrigação de tentar localizar essa mãe.
E se ela é assistida pela Defensoria Pública, por exemplo, possui prerrogativa de prazo em dobro nos autos. Não podemos, na tentativa de ajudar a criança, violar os direitos dos demais envolvidos no processo ou tomar decisões com base em informações limitadas. É necessário enviar uma assistente social para visitar a família, vizinhos e trazer a mãe até o juizado para ser ouvida por uma psicóloga, ouvi-la em audiência, entre outros procedimentos. Isso torna o prazo de 120 dias difícil de ser cumprido, devido a uma série de outras formalidades essenciais ao devido processo legal. Além disso, a própria lei estabelece que o magistrado só pode colocar uma criança para adoção após esgotar todas as possibilidades de reintegrá-la à família. Não é uma opção do juízo, é uma determinação legal.
O E. | E o programa de Apadrinhamento, qual avaliação a senhora faz atualmente?
M. V. | Nós temos três modalidades de apadrinhamento. Este programa busca fornecer apoio a crianças e adolescentes que estão em acolhimento. As pessoas podem escolher entre três modalidades: apadrinhamento afetivo, que envolve visitas, conversas e tentativas de suprir a ausência da figura parental; apadrinhamento financeiro, em que a pessoa opta por suprir as necessidades do acolhido, como pagamento de cursos, vestuário, alimentação, medicamentos e educação, visando garantir uma qualidade de vida adequada; e apadrinhamento profissional, no qual a pessoa utiliza suas habilidades profissionais em prol dos acolhidos, aumentando suas chances de inserção no mercado de trabalho, por exemplo. Se você tiver alguma dúvida, pode entrar em contato diretamente com a coordenação por meio de WhatsApp, e-mail ou em atendimento presencial. O programa tem apresentado resultados positivos, mas precisamos de mais padrinhos e madrinhas para ajudar.
O E. | Até o momento, 70 crianças foram adotadas em Fortaleza em 2023. Existe uma projeção de um número até o final do ano?
M. V. | Como não se trata de uma ciência exata, não temos como projetar quantos processos serão julgados até o final do ano. Atualmente, temos mais de cem processos em andamento. Alguns são mais complexos e demandam mais tempo, como os casos de adoção de criança com origem indígena, nos quais é necessário ouvir representantes federais (FUNAI). Outros são mais simples, como as adoções pelo cadastro do CNJ. Cada processo tem suas peculiaridades. Temos mais de cem processos de adoção sub judice em diferentes fases, aguardando a visita das técnicas do juízo, realização de audiência, estudos complementares, manifestação do Ministério Público, entre outros. Efetivamente conclusos para sentença, não temos processos nessa matéria na presente data. No mês da adoção, fizemos um esforço para garantir que todos conclusos para julgamento fossem efetivamente sentenciados. Atualmente, temos exatamente 155 processos cadastrados com o assunto adoção ou adoção com destituição do poder familiar em andamento na nossa unidade.
O E. | Sobre as audiências concentradas, como tem sido e qual é a expectativa para outras ao longo do ano?
M. V. | A audiência concentrada foi inicialmente concebida com o objetivo de reduzir e solucionar os processos de acolhimento institucional no estado do Rio de Janeiro. Artigos e livros relatam que havia uma média de 12 mil crianças nessa situação naquela região, o que demandava a concentração de esforços para a análise desses casos. O termo “concentrada” se deve à união de equipes das instituições, do juizado, de vários atores do sistema de proteção, secretarias de educação, saúde, membros do Ministério Público, Defensoria e Conselho Tutelar. A situação de cada criança é avaliada e é verificado se há perspectivas reais de retorno à família de origem, com encaminhamento para consultas ou programas sociais, por exemplo.
O Conselho Nacional de Justiça publicou o Provimento Nº 118 de 29/06/2021, que estabelece um roteiro a ser seguido, além da possibilidade de reavaliação com base nos laudos e pareceres das equipes multidisciplinares, entre outras medidas. Realizamos as audiências de forma regular duas vezes por ano, analisando cada processo, cada caso de acolhimento e tomando as providências necessárias, dentro de nossas atribuições, para garantir a redução no tempo de acolhimento de crianças e adolescentes.
É importante frisar que a audiência concentrada não se trata de uma fase de instrução processual ou de julgamento. Seu objetivo é verificar a situação conforme disciplinado pelo CNJ e, caso seja constatada demora na tramitação dos processos, tomar as providências necessárias. Além disso, há a possibilidade de recomendar ao Ministério Público que promova a ação de destituição do poder familiar nos casos em que o acolhimento se estenda por mais de seis meses.
O E. | A senhora acha que está havendo maior número de crianças retornando ao lar biológico? Como a senhora avalia?
M. V. | Entendo que não houve um maior número de crianças retornando. É importante destacar que existem milhões de famílias vivendo em situação de extrema pobreza, o que tem sido um desafio para lidar com as demandas sociais. É possível que algumas políticas públicas tenham direcionado o foco do acolhimento institucional para a inclusão dessas famílias em programas sociais. Nos casos em andamento, o que fazemos é garantir o cumprimento da lei, buscando encaminhar as famílias para programas governamentais e outras formas de apoio. É importante ressaltar que cada caso é avaliado individualmente, levando em consideração as circunstâncias específicas e o superior interesse da criança, buscando sempre a melhor solução para sua proteção e bem-estar, seja isso a reintegração familiar ou a inclusão em família substituta através de adoção.
Por Crisley Cavalcante