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Fortaleza

O caldeirão da chefe

Sempre me pergunto de onde vem o meu gosto pela cozinha. 
Minha história com a gastronomia não tem esse começo nostálgico,
da criança que ficava na barra da saia, brincando com massinha de
pão, dos cheiros e sabores vividos na infância. Não sou dessas.

Foto: Nicolas Gondim

Queria ser, mas não sou. Na minha família, os poucos registros que
guardo são de minha avó Araci, fazendo o seu tão famoso arroz de
leite (salgado) e seu incrível bolo de maracujá de todos os
aniversários. A primeira receita é bem infantil, dessas que alimenta
onze crianças famintas e agrada a todas elas. E minha outra avó,
Teresinha, fazendo seu delicioso pudim de domingo. Minha mãe
nunca fez questão de ir pra cozinha, meu pai muito menos. Mas,
tudo na minha vida foi e é sempre assim, na verdade, acho que na
de todo mundo: o que eu não tenho de um jeito, tenho de outro.

Se não tive referências familiares, fui ganhando ao longo da vida. 
Pessoas que cruzaram meu caminho foram deixando marcas
profundas. Talvez nem saibam que me marcaram tanto… Mas seu
modo de cozinha, seus saberes, fizeram o meu e me transformaram
no que sou.
Vou acabar sendo injusta, mas mesmo assim, já pedindo
desculpas, citarei algumas pessoas responsáveis pelos valores que
adquiri ao longo de minha carreira.


Descobri, aos 27 anos, que minha mãe tinha um primo, nosso
grande Léo Gondim, meu primo segundo, que foi quem me
orientou. Devo a ele o caminho das pedras. Ele que, assim como
eu, teve na Gastronomia sua segunda graduação. Léo me
empurrou, me deu coragem pra mudar o rumo. Já dizia Leminski : “
Isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos
levar além.” Léo me ajudou a ir além.
Tive uma vizinha, uma mestre doceira, lá no sul do país, em Santa
Catarina, filha de outro mestre, que, por alguns momentos de minha

vida, foi minha amiga, minha mãe, minha professora, Célia Alves.
Com ela aprendi, não as técnicas da confeitaria clássica, mas
aquele tal ponto, aquele jeito, que só uma mestre-mãe sabe dar.
Aprendi a peneirar a farinha do bolo três vezes, o açúcar e o cacau
também. Aprendi o ponto da calda dos fios de ovos e o ponto exato
da geléia. Aprendi o que não tem nos livros. Ganhei precisão.

Minha primeira chefe, Juliana Doin, cantava mantras enquanto eu
tremia na frente de duas frigideiras ao mesmo tempo. Só assim eu
fui capaz de perder o medo. Ela não cantava com esse propósito,
mas funcionou, e aqui estou. Ela me trouxe coragem.  
Tive professores que me marcaram profundamente a alma.
Professor Asdrúbal Senra, suas palavras, depois de tantos anos,
ainda ecoam em minha mente. Gabriela Guglielmone e suas
experiências mundo afora. Leila da Costa e suas oportunidades de
estágio por esse Brasil e quem sabe fora dele. Cacilda Vogel e
Andreia Pacher que me fizeram amar os doces. Luciana Bernardes
e suas técnicas clássicas, que são utilizadas uma a uma em minhas
cozinhas. Heiko Grabole e os encantos de sua cozinha
mediterrânea, que viraram a minha preferência. Todos estes
grandes me trouxeram sabedoria.


Chef Roland Villard e chef Dominique Guerin – RJ, me mostraram
disciplina, padrão e rigidez necessárias para se tocar uma cozinha
populosa.
D. Ida Maria e chef Giampieiro Giuliani, do Due Cuochi – SP, me
mostraram algo que eu desconhecia até chegar lá, no meio de
concorrências tão ferozes. Me ensinaram que quando se sabe
fazer, quando são os melhores e são seguros disso, o que lhe cabe

é a generosidade, o compartilhamento do saber, sem medo.
Aprendi. 
 Nossa prata da casa, nossa Mattu Macêdo, que me adotou como
quem acolhe um filho perdido, e me apadrinhou no mundo da
gastronomia cearense. Ela é meio madrinha, guia, professora. Essa
me deu casa, chão, firmeza, orientação.
Esse é o meu caldeirão. Aqui é onde acontecem as transformações,
tão necessárias na cozinha. Essas acontecem dentro de mim. É a
farinha que mistura com a manteiga, os ovos, o leite, o fermento, as
claras em neve e vira um bolo bem fofo, como o de maracujá da Vó
Araci!

E, por falar nela, já que no frigir dos ovos, o que nos importa mesmo
são as pessoas. Ela, que era de poucas e simples, mas marcantes
receitas. Com ela entendi a simplicidade. Senti que as vezes é só disso que a gente precisa e o que a gente quer. Nada mais. Mas

sabe por que suas poucas receitas eram marcantes? Pela intenção
com que eram feitas. O desejo pelo servir, acolher. Ninguém era tão
agregadora.
Deixo aqui os segredos de seus filhos e netinhos felizes, seu arroz
de leite, bem cremoso. Eu comia quando era criança, e hoje, eu que

eu faço para minha filha. Então, aconselho, é receita de mãe.
Agrada e alimenta. Com ovo então, a criançada pira.

Arroz de leite da Vó Araci 

1 xíc. de arroz branco
1 xíc. de água 
4 xíc. de leite integral (quanto mais gordo, melhor)

Sal
1 colher de sopa de manteiga

Foto: Arquivo Pessoal

Modo de preparo

Coloque o arroz na panela com a xícara de água, o sal, mexa e
tampe. Não lave o arroz. Quando a água secar, vá adicionando o
leite e mexendo sempre (esse é o segredo), para que o arroz libere
todo o seu amido e fique bem cremoso. Quando estiver com o grão
já cozido, apague o fogo e acrescente a manteiga gelada. 
Mexa bem até que derreta.
Sirva imediatamente. Caso  necessite, adicione mais leite. 
Pode ser servido com carne, carne do sol, frango, suíno ou ovo. Eu
amava quando a voinha o fazia com carne bem fritinha. 

  • A manteiga é firula minha, confesso. Quis só fazer uma graça.
  • Porque sou a louca da manteiga mesmo.

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