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17 julho 2008.
Fortaleza, Ceará, Brasil.

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Opinião

Lembrando Ângela Borges

quinta-feira, 17 de julho 2008

Tenho ojeriza de guardar datas ou de cumprir ritos aprazados. Para mim, todo dia é dia para se presentear ou para se afagar quem se gosta. Para lembrar de nossas mães, por exemplo, todo santo dia do ano é válido, mas, sem dúvida, o menos apropriado é o dia reservado no calendário. As datas comerciais carecem de sentimentos.

Certos ritos, como as missas de sétimo dia, deveriam ser restritos à família, ao invés das reuniões usuais, quando invariavelmente predominam as rodinhas prenhes de fofoca e, portanto, alheias à dor da perda.

Não sei, nem me interessa saber, há quanto tempo Ângela Borges partiu. Sei do meu apreço e que, por isso, vez em quando ela ainda é lembrada em meu diário. A conheci na redação do Anuário do Ceará, onde Fred Lustosa e eu éramos office-boys de luxo, dado o parentesco com os patrões Dorian Sampaio e Lustosa da Costa. Além de Ângela, Gilmar de Carvalho, Arabá Matos, Dodora Guimarães e Zaza Sampaio completavam a equipe. Trabalhávamos com liberdade, na vanguarda do tempo, seguindo padrões diferenciados de comportamento e disciplina talvez inaceitáveis para as burocracias tradicionais. Tempo bom e de muito aprendizado.

Lembro do dia em que Ângela pediu por empréstimo o sítio do patrão Dorian para comemorar o seu aniversário. Meio sem jeito, por estar ocupando o sítio, Dorian ofereceu sua moradia na cidade para que a festa fosse realizada. Constrangida, Ângela tentou não aceitar a proposta, mas Dorian, com autoridade de patrão, entregou as chaves e disse que ela fizesse a festa como se estivesse em sua própria casa.

Era uma sexta-feira e a festa rolou. E como rolou! Foi farra até a aurora do domingo. À noite, de volta do final de semana, Dorian encontrou sua casa literalmente de cabeça para baixo: Cinzeiros por todos os cantos, cheios de pontas de cigarro de todas as espécies, copos espalhados da sala à cozinha, camas reviradas e o pior, a adega completamente destroçada e consumida. Não sobrara sequer uma gota.

A segunda-feira já era um dia normal consagrado à ressaca naquele escritório. Agora, você imagina aquela segunda-feira pós-festa da Ângela. O patrão, igualmente de ressaca, ainda que por outro motivo, chegou cedo ao escritório e sem nada comentar, pediu para avisar a Ângela Borges que quando chegasse fosse à sua sala.

Com as chaves na mão, a aniversariante, ainda curtindo o clima do dia anterior, agradeceu a cortesia: “Doriááán – Ângela pronunciava o nome do patrão dessa forma, oxitonada – a festa foi um desbunde, só faltou sua presença para ser perfeita”.

O patrão, de cara fechada, indagou: “O que aconteceu na minha casa este final de semana? Do jeito que a encontrei, imaginei que ali havia sido palco de uma grande confusão. Confusão daquelas que só acabam na delagacia de polícia”.

Sabidamente, Ângela ignorou o tom irônico do patrão, e disse: “Que nada, Dorián, foi a melhor festa de aniversário que já tive na vida. Correu tudo dentro do figurino. As portas foram abertas como se eu estivesse em minha própria casa, do jeito que você me recomendou”.

Sem entusiasmo para qualquer contra argumentação, Dorian passou a discutir a pauta de trabalho e os dois continuaram juntos por inúmeras edições de sucesso do Anuário do Ceará. Saudades povoadas de lembranças…

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