Em momentos de convulsão, como os que vivemos hoje, é comum os humores ficarem mais exaltados. E pra pior. Economia e política, principalmente, numa sociedade dominada pelas relações de mercado, quando esboçam rotas negativas, são pródigas em contaminar corações e mentes com um absoluto pessimismo. Uso o termo “absoluto” justamente para focar melhor a discussão, posto que, em qualquer que seja o período da nossa vida, sempre haverá altos e baixos.
Caso valorizemos demais nossas frustrações, sem uma análise mais ampla de nossas vitórias e derrotas, acabaremos por achar que “nada tem jeito”, ou que “a vida é injusta”, ou que “não vale a pena tentar porque não vai dar certo”. Paciência. Esta virtude, juntamente com a tolerância, parece estar escapando de nossas mãos. Alguns não param nem para olhar para trás e contemplar o que já conseguiram construir: família, bens, laços de amizade, relações de trabalho, desenvolvimento físico e intelectual, retorno de investimentos, consolidação de suas crenças, saúde.
Não quero aqui ir ao outro extremo, fazendo o papel da personagem Pollyanna, do clássico infantojuvenil de Eleanor H. Porter, que conseguia transformar o que havia de pior numa coisa positiva. Não se trata disso. Defendo um simples e claro processo de racionalização e análise das questões, extraindo delas o que o senso comum não consegue captar: outros pontos de vista, outras saídas que não sejam a dicotomia da escolha entre os cenários A e B.
Caso contrário, se ficarmos presos a esta lógica dualista, sempre tenderemos ao pensamento mesquinho de que se um determinado torcedor de um time adversário me agrediu, todos os demais simpatizantes deste clube são iguais e fazem a mesma coisa. O mesmo raciocínio vale para menores delinquentes, políticos desonestos, fundamentalistas islâmicos ou militantes políticos radicais. O necessário esforço de relativizar os problemas parece estar perdendo para as “soluções” imediatistas que, muitas vezes, beiram a irresponsabilidade.
Convido o leitor a exercitar sua gratidão pelo que já possui e a perceber que os problemas sempre existiram e existirão. A procurar ir além do que está evidente, do que aparece na superfície, e a desconfiar de quem desfia um rosário de “verdades inquestionáveis”. Afinal, nossas vidas são mais profundas e complexas do que teorias prontas e acabadas.
Demétrio Andrade
Jornalista