Quem faz a cidade? Uma pergunta simples, mas que exige sensibilidade crítica apurada e visão urbanística singularizada do espaço público. Quando se indaga quem de fato produz uma cidade, o objetivo não é simplesmente identificar aquelas pessoas que planejam e executam concretamente o ambiente público, mas de investigar aqueles interesses que gravitam em torno das políticas governamentais realizadas.
Não restam dúvidas de que o principal destinatário dos serviços públicos é a população, responsável pela sustentação da máquina estatal através do pagamento dos tributos. Em contrapartida, a edificação da atmosfera urbana deveria suprir, de forma paulatina, todas as necessidades daquela sociedade diretamente envolvida. Os órgãos estatais competentes, através de ferramentas de gestão, teriam a incumbência de captar as demandas, transformando-as em projetos. Porém, essa fórmula aparentemente ingênua esconde um complexo jogo de interesses econômicos.
Desde meados da década de 70, muitos pesquisadores começaram a perceber uma mutação estratégica na definição da cultura urbanística mundial. Dentre elas, a mais impactante foi a percepção de que a cidade não representava mais somente um espaço para se viver, passando a significar, também, um ambiente ideal para se acumular riquezas. Assim, a dinâmica local contemporânea abandonou a tradicional finalidade exclusiva da moradia, passando a incorporar valores econômicos em seus projetos.
Interpretada como um desdobramento do novo capitalismo, as cidades passaram a ser tratadas como mercadorias, lugares para a realização de negócios, recintos friamente aproveitados como máquinas de crescimento. A renúncia do clássico planejamento urbano, abrindo espaço à moderna urbanização empresarial, causou uma profunda alteração na função do planejador, assumindo uma postura de empreendedor urbano.
Em harmonia com as novas técnicas de governança pública, a revitalização urbana vem buscando cada vez mais o apoio da iniciativa privada. Embora imensamente necessária na prática, essa parceria reclama por uma rigorosa fiscalização. A vigilância tem como propósito manter o público controlando o privado, ou seja, o estado supervisionando o mercado. Porém, movimentos de grandes instituições financeiras têm assinalado para uma inversão velada destes papéis, representando um retrocesso do planejamento urbano. A população deve permanecer atenta, evitando que seus logradouros sejam manipulados por uma pequena elite financeira. O espaço público deve continuar sendo público, não podendo se transformar em uma grande urbanização empresarial.
Marco Praxedes
Analista Tjce