De Gogol (O Capote): O espirito de imitação tem infectado enormemente a nossa Rússia, cada qual querendo ser o chefe e imitar alguém com o cargo mais alto do que o dele. Um certo conselheiro titular chamado a dirigir uma pequena repartição apressou-se, dizem, em arranjar, com a ajuda de uma divisória, uma espécie de sala denominada pomposamente de “gabinete do diretor”; contínuos de gola vermelha e engalanados em todas as costuras abriam a porta desse cubículo, onde mal cabia uma escrivaninha, a torto e a direito. Quanto ao nosso personagem importante, era ele afetado por um ar de muita nobreza e maneiras algo afetada. Seu sistema, dos mais simples, baseava-se exclusivamente na severidade. “Severidade, mais severidade, sempre severidade!” E ao repetir a palavra pela última vez, fulminava seu interlocutor com um olhar significativo, uma vez que os dez ou doze funcionários sob suas ordens já estavam saturados de respeito e de salutar temor. Assim que o viam chegar, abandonavam o que estavam fazendo e esperavam em posição de sentido que ele se dignasse a atravessar o escritório. Se dirigia a palavra a algum inferior, era sempre em tom áspero, que se compunha quase que exclusivamente das três seguintes frases: “onde adquiriu ele essa arrogância ?” “Sabe com quem está falando?” “Compreende na presença de quem você está?”
Grosso modo, era desse “asiatismo” que falava Lenin. Era esse ambiente velho e decadente que estava sendo induzido por Stalin e seu entourage, abrindo a possibilidade direta para o “socialismo num só país”, para o “culto da personalidade”, para o cesarismo que vai permitir ao Secretário-Geral o amparo para as sucessivas ondas de repressão que neutralizaram seus concorrentes políticos.
Tanto Lenin quanto Trotski já alertavam para “o Estado proletário com deformações burocráticas”. De acordo com Trotski, escreve J. P. Netto ( O que é stalinismo, Brasiliense/1981), a exaustão dos revolucionários – a sangria da guerra civil e a redução do proletariado – permitiu que uma camada burocratizada impusesse ao partido uma mentalidade pequeno-burguesa, que considerava o problema do socialismo como um problema gerencial e nacional. Para Trotski, a partir de 1923 o partido russo entrou em degenerescência, a camada burocrática estabeleceu o seu domínio e iniciou uma fase “termidoriana”.
Na década de 30, o mundo viu nascer e florescer o leviatã totalitário-burocrático soviético passando por cima mesmo das palavras de Lenin de que “O aparato não nos pertence, nós perecemos a ele”.
Com a falsificação do leninismo – “a deificação do autocrata normalmente é feita com base na falsificação” – ancilada por um magnífico aparato repressor e punitivo, nasce “a ditadura da burocracia, a burocracia coletiva. E ela, gradualmente, gerou uma elite, toda uma hierarquia de chefes. O governo por decretos passou a ser o principal meio de inter-relacionamento social. Tudo era decidido dentro dos gabinetes. Reuniões, sessões, congressos e plenários meramente aprovavam e davam apoio. As engrenagens da máquina burocrática não se movimentavam com rapidez, mas eram inexoráveis. Stalin manejava o principal painel de controle, observando o produto de sua inspiração através da janela do Kremlin. A mudança para o socialismo fora deformada para mudança para o stalinismo”.